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Três poemas de Poliana Guimarães

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Efemérida


chora a flor
baixinho que ninguém escuta
à altura do chão
colchão de pétalas já idas
pés descalços de raízes

blues de gemidos secretos, sequinhos
separando da haste a beleza venérea
auréola que se desfaz por baixo, escondido
larvas devorando o invisível
ferrugem, forragem

enquanto explode aos olhos
esforços de cor e viço e cheiro
que atrai, trai, vai...

padece de seiva tóxica
de amores falsos
de desejos cegos que não
enxergam além da cor
vibrante/envaidecida
que carrega em si o hoje
mas nunca chegará ao
amanhã





Evento


esbarrei comigo ontem pela casa
um susto, um suspiro

a ordem veio de dentro: ignore
mas a boa cortesia me deteve

nenhum cumprimento:
nos conhecemos bem

nenhuma pergunta:
só respostas incrustadas no silêncio

cabisbaixas nos olhamos afora
próximas e distantes

ninguém precisou se retirar
não é questão de presença

só espaço-tempo




Relógio de ponto

Dei cinco voltas na chave
pra trancar meu coração.
Mas a chave quebrou,
a fechadura engripou,
a lingueta partiu,
a maçaneta soltou
na minha mão vazia.

Coloquei cadeado,
amarrei com arame,
preguei com prego
que a ferrugem comeu.
Encostei uma cadeira,
que ficou sentada,
me olhando ridícula,
como que rindo de mim.

Andei descalça,
andei perdida,
andei pelada,
andei de quatro.
Parei diante do espelho,
detida, exausta, louca.
Subi nas paredes unhando a tinta,
arranhando o gesso,
gastando os tijolos,
arrancando o pelo da palavra muro,
até rabiscar a solidão no reboco branco.

Olhei as estrelas através do telhado,
se afastando sempre,
expandindo mais a partir do bang
do peito inflado, de medo e susto,
aumentando o vácuo entre uma e outra,
até as bordas do que não tem fim.

E o coração distendido,
buraco negro reverso,
que tudo cospe,
que tudo expulsa,
que tudo expele,
até esvaziar-me das coisas todas
que nunca foram minhas.

Amanheceu sem sol.
A cama posta ainda:
exata, lisa, vazia,
como no dia que não te conheci.
O último sexo


seu sorriso é de flor
sem pétalas

pérgula
de espinhos
pérfidos
(seus ossos)
desenhando
a morte
sob a pele
flácida

pólen
seco
que cai
do pênis
em pó
que não
espirra
nem
o mofo
fofo
dessa
parra

aos germes
cegos
segue
tudo
aquilo
que não
geme
mais
e nem
germina



Poliana Guimarães vive em Belo Horizonte e coordena a Cérbero Edições.




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