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4 poemas de "Tempo de dentro" de Sônia Barros

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Ilustração: Renoir

Luz de Renoir

Dizem, veio de Monet
o desejo de dar vida
líquida às tintas,

fazer do pincel
língua sem limites
livre
da escura concretude
de linhas
e contornos:
um veio
de céu
a desaguar
em Renoir.


Fachada que se esfarela

Difícil aprender
a não ter pressa,
pensar, pesar
paixão e paciência,
deixar de impor
ao poema
a primeira palavra

e todas as outras
jorradas

números
de um dado
jogado a esmo
na mesa, cópia
do acaso, fala
desenfreada de pré-adolescente,
dicionário consultado
de olhos vendados,
palavras díspares
num único disparo

como se fossem
vivas pedras
(es) colhidas
no decorrer
de longo garimpo.

Difícil construir sem se deixar
seduzir pela pressa que, em vez
do abrigo de uma casa,
só é capaz da casca.


Olhos capazes de asas

Ainda menino,
na escuridão do gueto,
contou um segredo
para si mesmo:

folhas são asas
que levam a árvore
a lugar nenhum.
Os olhos que veem
o voo no verde
é que voam.
E fazem folhas
e árvore existirem
até mesmo no frio
de um deserto.
           
Porque aprendera
a enfrentar a guerra
nadando em liberdade
por dentro de si,
passou a ter olhos
capazes de asas.

Mesmo agora,
velho e cego,
o voo persiste

nas águas
de sua alma amputada,

onde um menino
continua a existir.


Há em mim mulheres

                                     (para Maria Valéria Rezende)

Lua ineludível:
inúmeras faces
que tanto me despem
quanto me mascaram.

Fases tão diversas
e, no entanto, sempre
– sempre – a mesma lua:
muitas e nenhuma.

Ao meu lado um cão
gane o tempo todo.
O seu nome é medo,
sua voz é não.

Há em mim mulheres,
todas com seus cães
ganindo nos becos
deste corpo orbívago.

Há em mim mulheres
ensaiando ser
mais fortes que o medo,
maiores que o cão.

            Há em mim mulheres
escolhendo a face
de uma nova lua.
Outras, o interlúnio.


            Mulheres me habitam
            feitas de coragem
embora nem saibam
            que podem vencer.

            Eu também duvido
            vivo a sucumbir
mas depois revivo:
            um dia seremos.


"Tempo de dentro"é vencedor do Prêmio Paraná 2017 na categoria Poesia.


Sônia Barros nasceu em 1968, em Monte Mor (SP), e desde a infância mora em Santa Bárbara d´Oeste (SP). Formou-se em Letras pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Publicou dois livros de poemas, mezzo vôo (com o apoio da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, em 2007) e fios (vencedor do Prêmio Paraná de Literatura 2014). Também publicou 18 obras de literatura infanto juvenil, dentre elas tatu-balão(selo altamente recomendável da FNLIJ em 2015) e nas asas do haicai (2016).








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