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Sobre o livro 'Nicotina Zero ' de Alexandre Rabelo

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Por Alexandre Willer Mello

Existe um carnaval, um baile de máscaras onde a fantasia é uma fantasia de uma fantasia, melhor estilo grandes concursos de antes, Hotel Gloria, Bornay, aqueles nomes rococós A RAINHA INCA ENCONTRA OS NOVOS DEUSES D’ALÉM MAR TRAZENDO OFERENDAS MORTAS EM SEUS BRAÇOS ou algo que o valha.
Uma visão tão inconcebível que mesmo pensar nela cega, emudece e entorpece os sentidos, é preciso estabelecer um tráfego novo, novas conexões cognitivas, novos caminhos mentais, vou te decifrar mas peço que me devore mesmo assim.
‘NICOTINA ZERO’ é algo assim. Um processo detox, limpeza que vem de dentro para fora, expelida feito óleo de rícino, deus não é mais, ele criou a nós e debandou deixando a divindade a nós, cada um deve suprir a divindade alheia ou própria da melhor forma e não há invenção, uns nascem para endeusar, outros para serem endeusados, difícil é saber quem faz o que, não deixaram regras claras, apenas os deveres.
Na noite de DJ, as coisas vão se esfacelando feito migalhas de Ariadne, sua limpeza começa num gesto simples, largar a nicotina que é um vício externo e que, em sua abstinência, deflagra limpezas mais profundas, o vício escolhido é melhor ou pior que os vícios inerentes ou adquiridos? O vicio externo seria apenas um lenitivo para acalmar os internos? Ou apenas fomenta ainda mais a estes, os alimenta? Os vícios internos precisam de alimento depois que devoram tudo que está dentro deixando apenas uma casca, aí entram os vícios externos que abrem as portas do mundo para que os monstros de dentro se alimentem, corte essa conexão e o caos impera, uns saem do labirinto ilesos, outros saem meio homem meio fera, às vezes nem um ou outro.
Nesse processo, DJ encontra demônios, o próprio demônio, amores reais e imaginados, tece um sentido a uma existência espremida no caso urbano, a urbe não dorme, não sente, apenas come todos que nela vivem. Seus encontros não são com outros mas consigo mesmo, o demônio é ele, seu vício faminto que lhe devora as entranhas e a realidade ao redor, o sentido deixa de existir e vivem apenas sensações, as pessoas que cruzam seu caminho são fragmentos dele mesmo, pequenos espelhos dados em troca de momentos de percepção e busca.E ele busca, vaga pela cidade buscando, sedento mas não há bebida ou alimento que mate tal sede, a noite o traga, a noite o constrói para desconstruir em seguida. Criaturas notívagas fogem do dia não porque ele tem luz mas porque permite que elas possam encontrar o que buscam e até mesmo encontrar, a noite não, ela encobre, esconde, mistifica tudo, embaça, turva, deixa as aparências mais atraentes as vestindo com breu.
A noite não foi feita para detox mas para intox, se é possível sobreviver a ela então existe uma possibilidade de que na próxima haja alguma iluminação, encontro, achado, endeusamento, na noite é matar ou morrer, já disseram. A luta com a noite é ingrata, DJ sabe disso e sabe que se sobreviver poderá viver outra noite para lutar de novo, há que deixar a noite aflorar os bichos, trazer os demônios, os monstros, levar a todos para tomar umas e petiscar algo feito de si.
Quando o dia vem e a noite sai de fininho contando seus mortos, fica uma sensação de vazio, missão comprida, cumpre seu papel, há certo alivio pois se sobreviveu a mais uma noite mas uma incerteza quanto a que virá, trará ela tudo de novo ou em se baseando no resultado da luta anterior será mais benevolente?
Ninguém sabe e quem sabe não diz, a nicotina pode ter zerado mas a noite jamais.

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