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3 POEMAS de Thaís Copetti

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Penas


Hoje (ao menos hoje)
quero flutuar.


Que minhas palavras sejam
penas
leves
serenas
pluma
espuma
balão
de gás Hélio
alcancem
o etéreo
nesse ar de chumbo.


Vou soltar meus verbos
calados
expirados
pelas narinas
fazendo
chiados
baixinho
das válvulas
da minha panela de pressão
em fogo brando.

Que meus versos soprem
o ar
de suspiro
de alívio
no detergente
virando
bolhas de sabão
transparentes
estourando
nas pétalas
ou alcançando o céu.


Que no vento sejam
capa
papel
pipa
rabiola
que escapa
das mãos da criança
como a gargalhada
no sinal de saída
da escola
ganhando liberdade.


Libertando-se como fumaça
que espirala
sem densidade
da vela
acesa
na escuridão
sobre a mesa
do fundo
de mim
a desenhar na dança das nuvens
um Gorgoneion.


Que pelo menos hoje minha poesia
vire borboleta
da lagarta que rasteja
corroendo as minhas folhas secas.

E que por fim seja bumerangue...
Para que depois de alcançar a imensidão,
volte para minhas mãos
sujas de sangue,
para os meus pés caranguejos
cobertos do mangue
andando de lado
porque para frente
não dá mais.


Que minhas palavras (ao menos hoje)
sejam penas leves.
Eu dou um corte
no barbante que as fazem pesar.
Exceção dos outros dias
que são penas
de morte,
hoje vou permitir que voltem a sonhar.





INDECÊNCIA


Pulou um botão
da bermuda
de meu namorado,
certa vez, descosturou:

um botão.


Eu pensei que fosse um órgão,
assustou-me o escândalo:
os seus bigodes engomados se arrepiaram
e também as suas pupilas obsidianas se dilataram
ondulando plissados sobre a testa,
quando eu disse que não sabia usar agulhas,
bem que eu teria até tentado
se fosse um órgão,
se tivesse que salvar uma vida
mas era só

um botão.

"- uma mulher que não sabe pregar um botão?"


Eu tive vergonha, mas não era minha, nem das suas calças caídas.
E pensei "que desperdício!".
Não imaginava ouvir tamanha indecência.

Acenavam-me os pelos bem abaixo do umbigo, eu tive raiva do botão fajuto e debochado, ele podia ter ficado quieto, ou ao menos ter esperado o desfecho, desejei; desejei não ter ouvido o rasgo daquela linha vagabunda de pensamento, desejei sobretudo que o grito fosse do zíper prendendo as suas bolas.




RECORTE PALAVRAS


que comecem com a letra "R"
dos jornais
assim pedia o trabalho da escola
era a primeira vez que meu filho
abria os jornais
e seus olhinhos pirilampiavam
diante do novo
enquanto eu invejava de súbito
toda aquela bucólica alegria
folheando a brochura tingida
cujo meu nojo
se acumulava
às notícias brochantes
como os novelos de cabelos
no ralo
que eu recolhia com dois dedos
antes de entupir

eu rodava as linhas dos títulos
na minha bola de pelos arrepiados
espantados
a caça dos erres
- vamos capturar
ratos ricos roendo riquezas
- eu disse mostrando
unhas de gato
meu filho achou graça do
trava-línguas
da mímica
sobre a sombra travando luta
a mimese
a vida o tesouro
a tesoura cega
recorta

-AQUI - ele gritou
sob meu salto de susto
e ia contornando
a palavra Roberto
quisera fosse o rei
e eu teria logo duas
mas meus olhos corriam sobre
crise - política- lava-jato
só fatos sulfatos
as panelas batendo
sem provocar
ruídos
sem nada de erres
um monte de erros
eu já me imaginava
encontrando a palavra

retrocesso

mas escorriam dos canos os erres
mais do que bala perdida
na Cidade de Deus
eu inerme
tão ridícula
achei bem propício
se colasse o meu rosto de
repúdio

-pode ser essa, mamãe?
apontava-me o erre da palavra

desemprego

e eu não pensei duas vezes
cortei logo o rego
e o ria
ria
no meio da correria
pra acabar de uma vez
o dever o tédio
eu precisava de
remédio emoliente

rivotril

mandar toda aquela gente pra puta que o pariu
ou ao menos que me respingasse um
respingo de
respeito
ausente
pra lá da república onde
os erres rufavam
seus rebenques
e eu naquela ribanceira
me agarrando
sobre um fio dos olhos
do meu filho

no sonho

de também poder voltar
a pirilampiar algum dia
diante do novo.




Thaís Copetti tem 32 anos e escreve poemas desde os 17, quando ganhou reconhecimento por apresentar uma poesia madura contraposta à tão pouca idade. Recebeu elogios de alguns grandes escritores, entre eles Arnaldo Jabor, cujo contato foi feito através do poeta e maestro José Geraldo Martinez. Teve um conto premiado - O castelo de nossos medos - em um concurso de novos talentos em 2003. Ingressou na faculdade de Letras pela UFRJ aos 18 anos, onde aprofundou seus escritos e teve o privilégio de participar das aulas de Teoria Literária com Alberto Pucheu – um dos poetas que até hoje a inspira. Participou de saraus, oficinas e assistiu à várias palestras, como a de Ferreira Gullar de poesia com a ilustríssima presença do poeta. Aos 21 anos, grávida do seu primeiro filho, iniciou a carreira de corretora de imóveis, se afastando dos corredores literários por algum tempo. Em 2016, criou uma página na internet (Thaís Copetti- A poesia que habita em mim) e voltou a publicar seus versos, dando uma nova chance de ressonar na palavra – utilizada como anteparo, meio de reflexão- a alma de poeta lírica, crítica, verborrágica e singular aos detalhes de Thaís.

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