curiosa
pupila morava no fundo do globo
mas vinha à superfície
espiar um pouco
cheiro verde
em nossa casa
quando nascia menino
vovó – cozinheira de mão cheia
fazia durante o resguardo
sopa de galinha com farinha de milho
muita salsa e cebolinha
meu pai engolia o quarto
quinto sexto sétimo oitavo
nono filho
às colheradas
depois dizia
sou rico
cataratas
aos cinco aprendeu a ler
aos sete fazia tricô
a escrita veio com anita
a bonita professora
laçava pontos com oneida
a moça feia
para romper o absurdo
passou a ouvir os surdos
foi porta-voz
já velha
na foz do iguaçu
saltou na espuma
e só
anjo torto
era bom era engraçado
espalhar depois juntar
as bolinhas de mercúrio
do termômetro quebrado
ou apontar um espelho
para o raio infravermelho
arder os olhos do mundo
pular muros roubar frutas
caminhar dentro da chuva
esquecer o catecismo
surrupiar as moedas
alugar as bicicletas
jogar a alma
no abismo
orfandade
as lágrimas secaram
chorei sal
perder-te foi um mal irreparável
tal como se o mar se evaporasse
e eu tivesse que remar
tocar o barco
elas
a vida é a puta
que em mim se esfrega
e espera que eu resista
às suas curvas
a vida é a santa
que me recusa
e assim me arrasta
para suas pernas
a morte é mulher
sem intenções escusas
ponto de vista
uma partícula
um cisco
não teria importância
e nada mudaria
não tivesse
caído
em meu olho
(poemas publicados em olho nu pela editora patuá)
líria porto – nasceu em araguari, mora em araxá, mg – é autora dos livros borboleta desfolhada e de lua, publicados em portugal em 2009; asa de passarinho e garimpo (finalista do prêmio jabuti – poesia – 2015) pela editora lê; cadela prateada – editora penalux em 2016; para compensar a força bruta, coleção leve um livro; olho nu, editora patuá em 2017; e bloguetanto mar. é uma das escritoras suicidas, tem poemas publicados em jornais, revistas, sites.