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Ilustração: Luchita Hurtado |
Anny Quila
Anny Quila é uma obesa troglodita
casada numa edícula com dois calhordas
do peculiar ao bizarro tudo sabe tal dona flor
vive de encrenca causa de festa surto barulho
os vizinhos é que lhe demos Anny Quila de apelido
depois até gostou mas na hora: tomar no cu!
foi o que ela disse na frente da menina Patrícia
que veio morar com eles que então já eram quatro
quatro enfurnados sob o teto baixo daquela edícula
Anny Quila e dois calhordas fodendo a menina Patrícia
quando a febre do couro de algum ia se fazendo em cinzas
era só acarinhar um pouco a taludinha da menina Patrícia
a brasa ia logo se voltando em amarelos e vermelhos
que havia fogo pra inda cozinharem banquetes inteiros
Anny Quila é uma obesa troglodita casada numa edícula
junto com os dois calhordas ela acolheu em casa a tal menina
enquanto nós os vizinhos daqui de fora fartos de enfado e vida vazia
queríamos tanto é estar lá dentro com eles fodendo a menina Patrícia
Programa
estudar dramaturgia para escrever poemas
estudar pintura para fazer teatro
mandar os artistas-professores à merda
mandar os artistas-empreendedores ao escambau
não
não é voz de mando
é esconjuro em noite de lua negra
querendo podem até confundir
o artista da borda com um patrão
sim
o artista da borda é um possível assassino do corpo social
já o patrão presa até o fim pela morte-em-vida dos seus subordinados
conseguir inimigos gratuitamente
próximos e distantes
colecioná-los como fossem selos
filatelia das cavernas
vomitar nos anos de carreira de alguém que poderia ser você mesmo
achar que envelhecer é chegar mais próximo de se aposentar, somente
ao som de Billie Holiday
ler e reler poemas de Frank O’Hara
não entender por que caralhos cultuam Frank O'Hara
não é que estamos apegados à Whitman
é que em qualquer época
a bundamolice como programa
deprime o verbo
raio
não há nada de esotérico aqui
este é um tempo sem
spalla sem
epígono sem
primeira atriz sem
Pausa para o excremencial
diante desse altar
onde aqueles cuja
pele não formiga
imolam remorsos
com fósforos molhados
pudera eu ser todo estômago
onde aqueles cuja
pele não formiga
imolam remorsos
com fósforos molhados
pudera eu ser todo estômago
movimento peristáltico
bile e refluxo
para poder vomitar tudo
bile e refluxo
para poder vomitar tudo
vomitar a nossa servidão voluntária
aos gritos sem delinquência
ao valor moral do trabalho
aos traumas produzidos
em banho maria
no seio das famílias
aos gritos sem delinquência
ao valor moral do trabalho
aos traumas produzidos
em banho maria
no seio das famílias
queria ser todo estômago
pra vomitar os ritos insossos
vomitar a obediência
vomitar a hierarquia
as ordens cantadas
os papeis de leis escritas
mastigar como uma cabra
a tábua dos mandamentos
e cagar uma merda ungida
pra vomitar os ritos insossos
vomitar a obediência
vomitar a hierarquia
as ordens cantadas
os papeis de leis escritas
mastigar como uma cabra
a tábua dos mandamentos
e cagar uma merda ungida
Marcus Groza é autor do livro e a lua como órgão principal (Ed. Primata – 2017), entre outros.