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Lirinha Ferina _ Três poemas por Marcus Groza

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Ilustração: Luchita Hurtado


  
Anny Quila

Anny Quila é uma obesa troglodita
casada numa edícula com dois calhordas

do peculiar ao bizarro tudo sabe tal dona flor
vive de encrenca causa de festa surto barulho

os vizinhos é que lhe demos Anny Quila de apelido
depois até gostou mas na hora: tomar no cu!

foi o que ela disse na frente da menina Patrícia
que veio morar com eles que então já eram quatro

quatro enfurnados sob o teto baixo daquela edícula
Anny Quila e dois calhordas fodendo a menina Patrícia

quando a febre do couro de algum ia se fazendo em cinzas
era só acarinhar um pouco a taludinha da menina Patrícia

a brasa ia logo se voltando em amarelos e vermelhos
que havia fogo pra inda cozinharem banquetes inteiros

Anny Quila é uma obesa troglodita casada numa edícula
junto com os dois calhordas ela acolheu em casa a tal menina

enquanto nós os vizinhos daqui de fora fartos de enfado e vida vazia
queríamos tanto é estar lá dentro com eles fodendo a menina Patrícia



Programa

estudar dramaturgia para escrever poemas
estudar pintura para fazer teatro
mandar os artistas-professores à merda
mandar os artistas-empreendedores ao escambau

não
não é voz de mando
é esconjuro em noite de lua negra
            querendo podem até confundir
            o artista da borda com um patrão
            sim
            o artista da borda é um possível assassino do corpo social
            já o patrão presa até o fim pela morte-em-vida dos seus subordinados

conseguir inimigos gratuitamente
próximos e distantes
colecioná-los como fossem selos
filatelia das cavernas
vomitar nos anos de carreira de alguém que poderia ser você mesmo
            achar que envelhecer é chegar mais próximo de se aposentar, somente

ao som de Billie Holiday
ler e reler poemas de Frank O’Hara
não entender por que caralhos cultuam Frank O'Hara

            não é que estamos apegados à Whitman
            é que em qualquer época
            a bundamolice como programa
                        deprime o verbo
                                   raio

                                                                       não há nada de esotérico aqui
este é um tempo sem
spalla sem
epígono sem
primeira atriz sem


           
Pausa para o excremencial

diante desse altar
onde aqueles cuja
pele não formiga
imolam remorsos
com fósforos molhados
pudera eu ser todo estômago
movimento peristáltico
bile e refluxo
para poder vomitar tudo
vomitar a nossa servidão voluntária
aos gritos sem delinquência
ao valor moral do trabalho
aos traumas produzidos
em banho maria
no seio das famílias

queria ser todo estômago
pra vomitar os ritos insossos
vomitar a obediência
vomitar a hierarquia
as ordens cantadas
os papeis de leis escritas
mastigar como uma cabra
a tábua dos mandamentos
e cagar uma merda ungida



Marcus Groza é autor do livro e a lua como órgão principal (Ed. Primata – 2017), entre outros.

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