Canção dissonante para quem não quer saber de poesia
Escrevinho um labirinto mal traçado
Onde somente eu conheço ou invento a saída
O labirinto é meu
Posso dizer que tem milhares de saídas
Quem quiser saía pelo teto como pássaro
Ou galinha.
Falo
O falo desmedido do tempo
Come e arrebenta o ânus da alma.
É tanta desgraça nos olhares
E estômagos fechados para a fartura.
Aviões jogam do alto
Cereais roubados.
Sonhador
Sonho apenas, e sou vitima do seqüestro do verso.
A palavra exige um pensamento maior que a minha cabeça
As mãos não alcançam nenhum poemeto dado aos caninos do juízo.
A mão rústica derruba a delicadeza
O cristal numa dessas convenções ortográficas mudou de nome.
Saio como um arauto desvairado
Para dizer para os bardos circunvizinhos,
Que tomam sombra e respiram poesias Embaixo de árvores,
Que a palavra agora virou cristal.
E tonto nem percebi que arrancaram todos os troncos e raízes
Poetas mastigam árvores.
O sentimento agora é ágrafo
Homens e mulheres aboliram o cristal.
Tempo recente
O falo maníaco do relógio
Estoura o ânus da alma
A guerra mostra que o nosso tempo excreta pela boca
E não tem nenhuma paixão pelos filhos
E bisneto da ampulheta
Łculos
A pedra
Constrói casas
Em minha metrópole
De palavras forjadas
De salivas,
Idéias e miopia.
Vejo mais pelos óculos de poeta
Do que com os do oculista.
Os óculos embaraçam os meus olhos de águia.
Busco em vão enxergar o tamanho da minha cegueira
Os óculos seres piedosos me vendem a preço de banana.
A paisagem dos rios
E as verdades embrulhadas no colorido da palavra humana.
Pés
Os solados cansados não têm pés
E nem pernas de espartano.
Escondo no olhar um livro santo
Escondo a vida em formato de livro
Guardada numa velha bolsa de couro.
Os solados cansados
Teme a ausência da força dos pés.
E na distância entre pés e caminho.
Sobrevive uma arena em minha cabeça.
Sou terrivelmente alfinetado nos olhos.
Blasfemam minha caminhada
Por não dá sequer um passo.
Cego, estou diante do caminho
,gneo
Deito com o amarelo
Ele não queima a cama Em que durmo
Carboniza em silêncio o sono
A fumaça dura toda noite
Inalo o sentimento de dormir
Entre amarelo e cama
Em vigília está o sono.
Desconexo
Incinero o verbo
Com alma de coveiro.
Mergulho no escuro
No porão dos humanos
Lá o veneno da víbora é dócil como qualquer uma dessas borboletas.
Poética
Mergulho no claro
Na profecia que levita os meus pés.
Cabeça
Tronco
Braços
Pés
O mergulho na cegueira do nado
Piscina desabitada
˘gua fictícia é a palavra que não amacia
A queda do aqualouco.
Demência
Correr sem pernas
Voar sem asas
Nadar sem barbatanas
Pés cegos em solo claro
Roubaram no meio do caminho a fala redentora do mensageiro.
Miscelânea infundada.
Olhos santos em coxas pecaminosas.
O beija-flor quer bulir a rosa alheia.
Piscina desabitada
O aqualouco encena
Na água fictícia
O salto ornamental deitou na antítese do macio
OH2O imaginário é parte apenas da cabeça
Fora da cabeça a queda do arranha-céu.
É fechamento de livro.
Não tem a almofada do sono.
Excursão incógnita
O verde e a carniça
Habitam o mesmo cérebro
Cismo em decifrar o dna do divino e das coisas.
Os calçados me olham após calcularem a distância que me espera.
Com a duração mínima do último passeio do oxigênio pelo corpo.
Calçados mortos
Bússolas empoeiradas
Roteiro feito e refeito
Mapas caminhos
Os meus calçados
São apenas remotas possibilidades
Que vela o caixão de um velho estagirita.
Talvez / jamais pisarei com sensação
Rito poético de extração de toda a expressão contida na coisa.
Cabe ser exegeta que publica a matéria inacabada.
E contemplar com resignação a plêiade e os seus demiurgos.
Contentar-me com a minha assumida pederastia com o nada.
Galeria; Erik Johansson
Jean Narciso Bispo Moura (1980). Poeta, natural de São Félix-BA e reside atualmente em Suzano-SP. Estreou em livro no início dos anos 2000, com o título A lupa e a sensibilidade, também é autor de75 ossos para um esqueleto poético (2005); Excursão incógnita (2008); Memórias secas de um aqualouco e outros poemas (2011)”, Psicologia do efêmero (2013) e Retratos imateriais (2017). Tem poemas publicados na Germina, Blecaute, Antonio Miranda, Canal Subversa, Blog do Noblat etc.