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EXCURSÃO INCÓGNITA - JEAN NARCISO BISPO MOURA

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Canção dissonante para quem não quer saber de poesia

Escrevinho um labirinto mal traçado
Onde somente eu conheço ou invento a saída 
O labirinto é meu
Posso dizer que tem milhares de saídas
Quem quiser saía pelo teto como pássaro 
Ou galinha.
  
  

Falo

O falo desmedido do tempo 
Come e arrebenta o ânus da alma. 
É tanta desgraça nos olhares
E estômagos fechados para a fartura. 
Aviões jogam do alto
Cereais roubados.



Sonhador

Sonho apenas, e sou vitima do seqüestro do verso.
A palavra exige um pensamento maior que a minha cabeça
As mãos não alcançam nenhum poemeto dado aos caninos do juízo. 
A mão rústica derruba a delicadeza
O cristal numa dessas convenções ortográficas mudou de nome.

Saio como um arauto desvairado
Para dizer para os bardos circunvizinhos, 
Que tomam sombra e respiram poesias Embaixo de árvores,
Que a palavra agora virou cristal.

E tonto nem percebi que arrancaram todos os troncos e raízes 
Poetas mastigam árvores.
O sentimento agora é ágrafo
Homens e mulheres aboliram o cristal.




Tempo recente

O falo maníaco do relógio
Estoura o ânus da alma
A guerra mostra que o nosso tempo excreta pela boca 
E não tem nenhuma paixão pelos filhos
E bisneto da ampulheta



Łculos

A pedra 
Constrói casas
Em minha metrópole 
De palavras forjadas 
De salivas,
Idéias e miopia.
Vejo mais pelos óculos de poeta 
Do que com os do oculista.

Os óculos embaraçam os meus olhos de águia.
Busco em vão enxergar o tamanho da minha cegueira 
Os óculos seres piedosos me vendem a preço de banana. 
A paisagem dos rios
E as verdades embrulhadas no colorido da palavra humana.


Pés

Os solados cansados não têm pés 
E nem pernas de espartano.
Escondo no olhar um livro santo 
Escondo a vida em formato de livro 
Guardada numa velha bolsa de couro.

Os solados cansados
Teme a ausência da força dos pés. 
E na distância entre pés e caminho.
Sobrevive uma arena em minha cabeça. 
Sou terrivelmente alfinetado nos olhos. 
Blasfemam minha caminhada
Por não dá sequer um passo. 
Cego, estou diante do caminho



,gneo

Deito com o amarelo 
Ele não queima a cama Em que durmo
Carboniza em silêncio o sono 
A fumaça dura toda noite 
Inalo o sentimento de dormir 
Entre amarelo e cama
Em vigília está o sono.




Desconexo

Incinero o verbo 
Com alma de coveiro.



Constatação

Mergulho no escuro 
No porão dos humanos
 o veneno da víbora é dócil como qualquer uma dessas borboletas.



Poética

Mergulho no claro
Na profecia que levita os meus pés.



O salto

Cabeça 
Tronco 
Braços 
Pés
O mergulho na cegueira do nado 
Piscina desabitada
˘gua fictícia é a palavra que não amacia 
A queda do aqualouco.



Demência

Correr sem pernas 
Voar sem asas
Nadar sem barbatanas 
Pés cegos em solo claro
Roubaram no meio do caminho a fala redentora do mensageiro. 
Miscelânea infundada.
Olhos santos em coxas pecaminosas. 
O beija-flor quer bulir a rosa alheia.




Piscina

Piscina desabitada 
O aqualouco encena 
Na água fictícia
O salto ornamental deitou na antítese do macio
OH2imaginário é parte apenas da cabeça 
Fora da cabeça a queda do arranha-céu.
É fechamento de livro.
Não tem a almofada do sono.


Excursão incógnita

O verde e a carniça 
Habitam o mesmo cérebro
Cismo em decifrar o dna do divino e das coisas.
Os calçados me olham após calcularem a distância que me espera.
Com a duração mínima do último passeio do oxigênio pelo corpo.
Calçados mortos
Bússolas empoeiradas 
Roteiro feito e refeito 
Mapas caminhos
Os meus calçados
São apenas remotas possibilidades
Que vela o caixão de um velho estagirita.
Talvez / jamais pisarei com sensação
Rito poético de extração de toda a expressão contida na coisa. 
Cabe ser exegeta que publica a matéria inacabada.
E contemplar com resignação a plêiade e os seus demiurgos.
Contentar-me com a minha assumida pederastia com o nada.

Galeria; Erik Johansson


Jean Narciso Bispo Moura (1980). Poeta, natural de São Félix-BA e reside atualmente em Suzano-SP. Estreou em livro no início dos anos 2000, com o título A lupa e a sensibilidade, também é autor de75 ossos para um esqueleto poético (2005); Excursão incógnita (2008); Memórias secas de um aqualouco e outros poemas (2011)”, Psicologia do efêmero (2013) e Retratos imateriais (2017). Tem poemas publicados na Germina, Blecaute, Antonio Miranda, Canal Subversa, Blog do Noblat etc.

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