Die Aufgabe
Chegar em casa um pouco mais
do que cansada e puxar ainda assim
e aos poucos o fio longo da mortalha
até fazer da noite sair enfim um dia
dentre todos os dias a morrer na praia
***
Meus mortos não estão encarapitados
no alto das árvores
não são eles que balançam
os galhos quando eu passo nos dias de calmaria
não estão debaixo da terra nem voam pálidos
sobre minha cabeça debaixo do céu azul
Aparecem nos sonhos e desaparecem
quando são cinco ou seis da manhã
meus mortos são covardes
não têm coragem
de viver
***
1.
Os amigos se encontram tantos anos depois,
os amigos começam a acreditar que os anos
não passaram de certa forma não passaram
ou que o passado está ali tão fácil entrar no
seu círculo encantado os amigos estão maravilhados
com isso e querem marcar outro encontro
os amigos voltam para casa pensando nisso
2.
Um dos amigos tem três lojas de móveis
um dos amigos tem uma loja de roupas
um dos amigos tem dois filhos
um dos amigos também tem dois filhos
os filhos de um dos amigos ainda estão
meio perdidos com suas escolhas profissionais
os filhos de um dos amigos já estão se formando
em medicina no final deste ano
o amigo quer fechar as três lojas de móveis
quando os filhos se formarem
o amigo quer abrir uma loja de
relógios relógios são mercadorias
mais fáceis do que armários modulados
e têm também mais valor agregado
o amigo pai dos filhos que ainda não se
formaram acha que tem ainda muito que trabalhar
os amigos só compram carros com airbags
os amigos moram em casas muito confortáveis
têm muitas histórias do comércio para contar
3.
A amiga é professora de português para
sobreviver
a amiga tem sobrevivido
o que falta aos amigos
não falta à amiga
a amiga tem tempo de sobra
embora seu tempo não sobre nunca
a amiga sempre precisa de
mais tempo
a amiga falou vagamente
nisso
O melhor da noite
foi que ela adorou
as histórias
do comércio
4.
Os amigos prometeram que não demorariam
trinta anos para se encontrar ademais os amigos
sabem que não terão todo esse tempo
os amigos já começam a fazer os cálculos do tempo
razoável que lhes resta e talvez pensem vagamente
que esse desejo de rever esses amigos faça parte
de um desejo de dar passos atrás de arrastar
o tempo para trás ou é possível que pensem
sem muita clareza que há ilhas poças largos
um pequeno enclave ou algo como dobras do tempo
aonde a morte parece não chegar os amigos quando
se encontram de certo modo visitam algo que parece
viver sem a sua presença que parece não depender
mais deles como os filhos que não param de crescer
A cor mais quente
a cor branca
não sei qual é o cheiro que você tem
não senti seu cheiro mesmo tendo estado
tão próxima de você
em pé em uma conversa
ao seu lado sentada a uma mesa
não sei que cheiro você tem
embora desde um momento que abriu as
portas soltou todos os pequenos demônios
eu me aproximo e observo uma coisa
da qual nem me dava conta
sua pele tem a cor branca
a sua pele tem a cor branca
a sua pele tem a cor branca
a sua pele tem
um gosto
não sei o gosto que tem a sua
pele
não sei o gosto do branco de sua pele
porém agora
já sei
ele tem um gosto
sua pele tem um gosto
sua pele tem um gosto
sua pele tem
esses sons
pode-se ouvir algo quando alguém
toca a sua pele o branco de sua pele
podem-se ouvir
todos os sons
que repercutem
em sua pele
todo som acumulado
que ficou ali para ser comunicado
porém não ouço ainda bem
não ouço ainda bem
não ouço
Poemas de "Quase todas as noites", finalista do Prêmio Jabuti 2017.
Simone Brantes nasceu em Nova Friburgo em 1963. Publicou dois livros de poemas: Pastilhas brancas (1999) e Quase todas as noites (2016), pela editora 7Letras. Publicou poemas e traduções de poesia em jornais e revistas como O Globo (Página Risco), Inimigo Rumor, Poesia sempre, Polichinello, Revista Piauí, Action Poétique e Lyrikvännen. Participou de algumas antologias como A poesia andando: treze poetas no Brasil (Lisboa/Cotovia) e Roteiro da poesia brasileira. Anos 90 (São Paulo/Global).