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5 poemas de "Tempo de voltar" de Mariana Ianelli

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LIUBA

De um acorde acontecido entre um inverno
e um verão, do perfume da flor do manjericão
depois da chuva,da cura fina e fraca
em mãos de pluma fechando a pálpebra
de um olho que cegou,disso tudo
que não gera assunto, que é empenho
de tempo num átimo sem futuro,
como de um lábio ao relento osculando a lua,
se faz o amor, como se fosse deste mundo.


JULHO

Aqui os trabalhos não têm fim,
há sempre novas formas de juntar
cacos de coisas ocorridas no caminho,
há um deserto de senhas, sinais, indícios
mas hoje, hoje a lua é um acontecimento,
há um perfume de casa nos teus cabelos,
há uma flor de maio que rebenta em julho
e um cacho de uvas vermelhas lavadas
brilhando num prato que é pura concupiscência


ROSA DO DESERTO

Uma hora existe
na vida incógnita dos desaparecidos
em que os ataca uma vontade de carta
notícia pouca, por nada
(as palavras graves já todas prescritas)
só uma vontade burra de enviar
sinais para casa, uma juventude súbita
fora de estação, que não chega
a uma palavra expedida, e passa 
quase de nascença mentindo a si mesma
ter de repente intentado vida,
quase um passatempo de acordar comoção,
uma síntese de sais nas raízes
e passa, essa vontade passa, vai com a hora
como a palha que alguém fuma sozinho,
vai com a hora como um alarme falso de erupção,
escuridão a mais das notícias a menos
de como vivem, e de quanto se lembram,
quando (serpeando em fogo)
o passado lhes aparece
e os morde, e os trai,  e os excita,
a eles, os desaparecidos.


PARA OUVIR E ENTENDER ESTRELAS

São fogos em vozes e tantas vozes
quantas são as faces das gentes
e das épocas, cada uma com sua noite
em torno e dentro, com suas mortes
mais ou menos ardentes, suas almas
mais ou menos velhas, fogos em vozes
à janela ou como se nunca houvessem
brilhado, antes cobertas com vasos, veladas
debaixo de camas, debaixo de alqueires
e todavia brilhando por décadas, séculos,
milênios em que se cozem os tempos, fogos
em vozes, mais fortes no mais escuro, anãs
vermelhas, azuis, ilhas, candeias que (dizem)
só amando para ter ouvido capaz de entender.


DAS DORES

Sete adagas
no peito:
essa violência
da imagem
ninguém censura
que é para o olho
ver melhor
quanto custa
uma coroa
sem vontade
nem vaidade
minha ou tua
quanto de pena
quanta pena
quanto amansamento
por tortura
quanto céu sem estrela
para eclodir
isto que chamam
majestade
glória
graça
resplendor.


 "Tempo de voltar"é finalista do Jabuti, categoria poesia,  2017.



Mariana Ianelli, nascida em São Paulo, é autora dos livros de poesia Trajetória de antes(1999), Duas chagas (2001), Passagens (2003), Fazer silêncio(2005 – finalista do prêmio Jabuti), Almádena(2007 – finalista do prêmio Jabuti)Treva alvorada (2010) e O amor e depois(2012 – finalista do prêmio Jabuti), todos pela editora Iluminuras. No ensaio, é autora de Alberto Pucheu por Mariana Ianelli (2013), da coleção Ciranda da Poesia, pela editora UERJ. Estreou na crônica com o livro Breves anotações sobre um tigre(2013),pela editoraardotempo, que também publicou seu mais novo livro de poesia, Tempo de voltar (2016 – finalista do prêmio Jabuti) e Entre imagens para guardar (2017), segundo livro de crônicas. Recebeu o prêmio Fundação Bunge de Literatura (antigo Moinho Santista) na categoria Juventude e menção honrosa no Prêmio Casa de las Américas (Cuba). Tem poemas publicados em Portugal, Espanha, França, Hungria, Cuba e Argentina.


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