Laika ( 1954 - 1957 ) *
tendo idealizado o espaço,
( há odor de fezes na astronave
há uma vira-lata molhada e
sua murrinha ) o cosmonauta se choca
ante a realidade suja: uma desagradável
crise sanitária instala-se, grave,
a anos-luz do seu planeta natal;
sentindo cheiro de pólvora na urina,
o insuportável aroma da amônia
e tudo isso aprisionado às narinas
foi possível senti-lo, inibido, animal cinerado:
estaria mesmo ali o cadáver da mais fiel
das almas entregue ao vácuo ou apenas
o retraído simulacro de um canídeo?
pondera sobre como laika teria ganido,
no limiar entre a vida e a desaparição,
o desespero de não emitir som,
sem osso ou carinho ( o rabo que não abanou )
não houve presença humana apenas
o frio monitoramento telemétrico
de suas tímidas funções vitais;
sem uivo que ecoasse no espaço, não houve
a quem seduzir com o olhar pedinte
da cadela vadia querendo acolhida e abrigo:
à mercê da eutanásia calculada, ( o sacrifício
físico do bicho ainda sanguíneo) afinal
nada disso é possível quando se está prestes
a explodir à bordo do segundo sputnik
* poema publicado em GRAVIDADE ZERO (2016: Gravidade Zero, Guaratinguetá: Penalux)
* * *
Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Integra o corpo editorial da revista eletrônica Mallarmargens. Casa das Máquinas (Editora da Palavra, 2011) é seu livro de estreia e está disponível online AQUI (via ISSUU). Seu segundo livro é Corpo de Festim [livro ganhador do 57o Jabuti/ 2a Edição pela Penalux]. Em 2016, publicou pela Patuá a antologia Escriptonita (poemas tematizando super-heróis), do qual foi um dos organizadores. Seu terceiro livro é Gravidade Zero (Penalux, 2016).