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Ilustração: Victor Habchy |
À FRANCESA
anda, vem logo
que aqui não dá mais
sem você até eu
já não me suporto
abandona essa cidade
eu monto um palco
um teatro de verdade
a gente finge que aqui
é primeiro mundo
tudo limpo rico lindo
todas as pessoas o
tempo inteiro rindo
e assim teremos a
nossa Ville Lumière
nossa Cidade Luz
exclusiva e particular
e nem passagem
precisa pagar
e não vai acabar por aí
se você quiser eu
te recito em francês
versos de amor
Baudelaire e Rimbaud
o que você quiser
eu te dou
te construo um
George Pompidou
pra você estudar
em paz a melhor
forma de me amar
de qualquer pirâmide
te faço um Louvre
Monet e Renoir
aqui tudo que
planta se dá
mesmo sendo ateu
levanto uma Notre Dame
e finjo acreditar em Deus
se preferir viro
budista ou espírita
muçulmano ou judeu
pra completar eu
derrubo sozinho
uma Bastilha
te dou amor carinho
e se você pedir
até uma família
escavo o chão até
encontrar uma fonte
um rio Sena só pra você
construo monumentos pontes
ergo uma Torre Eiffel só
pra poder subir
e de lá de cima
te ver sorrir
é claro que não
vai faltar o chafariz
eu te juro
vem que eu faço
pra você nossa Paris
e deixo todas as luzes
da cidade acesas só
pra todo mundo saber
como estou feliz.
MY FOOLISH HEART
a.
quando você
foi embora
não sei direito
como explicar
não encontro a
imagem apropriada
parece que a casa
ficou mais pesada
foi embora
não sei direito
como explicar
não encontro a
imagem apropriada
parece que a casa
ficou mais pesada
b.
lembro daquela vez
que acordei e você
estava me olhando
foi como se eu
continuasse sonhando
c.
inútil tentar esquecer:
meus dias colidem
contra você
que acordei e você
estava me olhando
foi como se eu
continuasse sonhando
c.
inútil tentar esquecer:
meus dias colidem
contra você
VENEZA II
ou seja, não importa em qual
café ou viela ou beco você estiver neste
sonho emaranhado costurado pela água
a impressão é que eu acabaria aqui de
qualquer jeito, olhando para suas mãos
seu pescoço no Campo Santi Giovanni e Paolo
foi o instinto, nada mais do que o instinto
que me trouxe até aqui como um cão
um cão dócil feio obediente cuja existência
você nem sequer pressente sob as nuvens e
o silêncio é uma taça de vinho em suas mãos
uma rosa de álcool, delírio e éter dentro da sua boca
eu tombo nesta cidade como um boi uma âncora
suas mãos indo e voltando como barcos, segurando
um livro de poemas do Leonard Cohen;
penso que você deve ser refinada
ou então só uma groupie metida a besta
café ou viela ou beco você estiver neste
sonho emaranhado costurado pela água
a impressão é que eu acabaria aqui de
qualquer jeito, olhando para suas mãos
seu pescoço no Campo Santi Giovanni e Paolo
foi o instinto, nada mais do que o instinto
que me trouxe até aqui como um cão
um cão dócil feio obediente cuja existência
você nem sequer pressente sob as nuvens e
o silêncio é uma taça de vinho em suas mãos
uma rosa de álcool, delírio e éter dentro da sua boca
eu tombo nesta cidade como um boi uma âncora
suas mãos indo e voltando como barcos, segurando
um livro de poemas do Leonard Cohen;
penso que você deve ser refinada
ou então só uma groupie metida a besta
RUMOR NENHUM
Silenciar o que já foi
como se arruma a casa
depois da festa.
Todas as coisas
em seus lugares
ancestrais.
É simples (ou não)
o que busco:
soluço no escuro
espessura de muro
– rumor menor que água
rumor nenhum
rumor de nada.
Mauricio Duarteé jornalista, autor dos livros de poemas A arquitetura das constelações (Patuá, 2017), Balde de água suja (Patuá, 2015) e Rumor Nenhum (7Letras, 2007). Vem publicando nas principais publicações literárias do país, como as revistas Cult, Lado7, Inimigo Rumor, mallarmagens, Revista Gueto, entre outras. Nasceu na capital paulista em 1981.