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marília garcia


2 poemas














bzzz


estar ali era como um ninho
de abelhas.
                  uma colmeia? você quis dizer
colmeia ou só queria dar a impressão
de perigo?

não sei, olhava as fotos
em silêncio e talvez nesse
momento ele tenha passado bem perto,
talvez tenha sido
só uma sombra na hora em que virei.
será que uma linha de sombra
bastaria para a gente se reconhecer?

[lembra aquela vez em que você
parou um poema no meio
para me contar de uma cidade
sem sombras?]

devia ser aquele lugar:
a luz naquele lugar
a luz de antes que se repete agora
dando a impressão de mapas
sobrepostos. quando chego aqui, demoro para saber
o que acontece.
você já sabe o que fazer agora?

às vezes ouço o mesmo ruído ao redor
como um ninho de abelhas
um bzzz em cima da ponte
e uma sombra escapando
mas não era perigo,
era só um barulho na hora de ouvir
o que mais importava













é uma love story e é sobre um acidente


primeiro, a cena congelada.
um dedo pousa no vidro,
a tela vibra.
                      você lembra o que
disse na hora? você gritou? doeu?
você lembra do que aconteceu?
— a curva, a chuva, um clarão.

(depois ela acabou,
foi embora para o sul)

você lembra o que disse na hora
em que o carro deslizou?
três horas na chuva esperando,
a curva, o estrondo — você lembra?
você entre as ferragens
perguntando o que houve.

(mas isso é um acidente
e é sobre uma love story)

o amor, diz,é um efeito especial,
pensa que viu tudo
mas quando acende a luz
os pontos
cegos se espalham:
                        uma fossa abissal, uma nuvem
de distância e uma cidade chamada vidro ou
vértice
                   volpi ou verdi.

o amoré alguém entrando
na geometria da sua mão.

neste momento atravessa o corredor:
— não há mais isso entre nós,
de onde o timbre da sua voz
um efeito-estertor.
(dentro do poema
pode sentir o efeito
e nessa hora todos os porquês
ficam silenciados)

o amor é isso, diz, não um corvo,
mas um impermeável vermelho pendurado
na janela vindo de outro poema
para tocar na sua tela.

é você comendo o que sobrou
depois do estrondo.

o amor é este olhar que mancha
a retina na hora da emergência,
um olho cinzento que treme
sempre que muda
de hemisfério

“é difícil olhar as coisas
diretamente”,
elas são muito luminosas
ou muito escuras

2/3 deste país são feitos de água
e sempre que se vira, um
afogamento.
                        apenas um mergulho
dizia a imagem. vamos ver o deserto,
andar pelo centro do mundo?

mas isso é um dicionário
e é sobre uma love story.

[love story, de a-z]

a curva, a chuva, um clarão
a curva, o estrondo — você lembra
a retina na hora da emergência
a tela vibra
afogamento
andar pelo
apenas um mergulho
cegos se espalham
de distância
de hemisfério
de onde o timbre
dentro do poema
depois
depois ela acabou
diretamente
disse na hora?
dizia a imagem
dois terços desse país
e é sobre uma love story
e é sobre uma love story
e nessa hora todos os porquês
e sempre que se vira
é difícil olhar as coisas
é você comendo
em que o carro
ficam silenciados
foi embora
luminosas
mas isso é um acidente
mas isso é um dicionário
mas quando acende a luz
mas um impermeável
na geometria
na janela
não há mais
não um corvo
neste momento
o amor é um efeito especial
o amor é alguém entrando
o amor é este olhar que mancha
o amor é isso
os pontos
ou
para tocar na sua tela
pensa que viu tudo
perguntando
pode sentir
primeiro
sempre que muda
três horas na chuva
um dedo pousa
um efeito-estertor
um olho cinzento
uma fossa abissal
uma nuvem
vértice
você entre as ferragens
você lembra
você lembra o que
você lembra o que disse na hora
volpi ou verdi
























Marília Garcia nasceu no Rio de Janeiro. É tradutora e publicou, entre outros, "Um teste de resistores" (7letras, 2014). Estes poemas integram seu mais recente livro: "Câmera lenta" (Companhia das Letras, 2017).











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