não vi o poema todo
quando encontrei o banquinho já estavam na última estrofe
a moça loira já comia as rosas brancas como a uma alface
ela engolia sem mastigar, suas pernas paralíticas pareciam fremir de fome,
como que sentada numa máquina de lavar roupas
fremiam
acho que seus olhos falavam sueco
algo de Bergman, não sei
lá as coisas funcionam como são
não há essa coisa tropical de beijos e abraços
tudo é branco e de vidro e de inox aço
já pensou uma casa de taipa na neve?
já pensou num esgoto a céu aberto na neve?
cocô congelado não cheira tão mal
lá não tem essas coisas de miséria
lá não tem essa obrigação moral de piedade
lá as coisas são como são
mas há necessidades não satisfeitas
comem-se rosas brancas para saber o gosto da morte
lá a morte é poesia, busca-se
a taxa de suicídio é enorme
já pensou um suicídio no chão craquelado do sertão?
lá não há essa tropicalidade de fugir das bicadas dos urubus
a moça comia rosas brancas que colhia de um caixão de defunto
que moça bonita que moça inerte que moça maçã
* * *
Fabíola Lacerda nasceu no sertão pernambucano em 1975. Veio morar na capital aos dez anos de idade mas preserva intacto o sotaque sertanejo. Graduada em Ciências Biológicas, servidora pública do Poder Judiciário, aprendeu a ler com uma velha enciclopédia Delta-Larousse, talvez por isso, se interesse por assuntos variados. Escrever tem lhe proporcionado muito prazer e autoconhecimento. Acredita que tem uma narrativa lírica mas não se reconhece como poeta, seja como for, ama poesia.