Palavra
Gosto de escrever triste,
mas não é de tristeza que me faço.
Palavra é dura, pontuda, machuca.
Quando pega a mão,
paralisa de dor.
Não larga mais,
até virar um conto de amor.
Dorme e come na mesma cama.
Vive no banheiro, na sala, na cozinha.
Vira parasita dentro.
Um dia se solta
E deixa saudade.
Metades
A noite caiu
pela metade.
Uma parte escureceu
o dia
e a outra
escureceu
aquilo que eu
seria.
Amor
Amar não é palavra pra rimar.
É pra esconder
na fotografia
dentro da caixa
de sapatos,
no fundo
do guarda-roupa.
E naqueles dias
a gente abre,
tira a poeira
e olha,
só pra não esquecer.
Saudades
O que existe por trás da porta
é uma janela entreaberta
e um vento gelado,
que atravessa o corredor.
E vez ou outra me abraça.
Insônia
Um copo de café.
Arrasto a cadeira:
lá
cá
cá lá
e a goteira
p
i
n
g
a
a noite inteira.
Morte
A coruja piava em cima do telhado.
Até acertar pedra e cobrir silêncio.
Isso é azar de gente grande.
*
Caleidoscopica-mente
Todo mundo
Mente
No mundo inteiro
Tiro certeiro.
A mentira vai girando
Rodando
Soprando ao vento
O seu,
O meu pensamento.
Incessante
Mente.
*
A vida roda.
No carro.
Na bicicleta.
No buraco da fechadura
espia a verdade
e faz maldade
de mim.
Galeria: David Preissel
Adriana Alvesé de São Paulo, capital, formada em Letras pela Universidade de São Paulo. A literatura sempre esteve presente em sua vida, desde que se descobriu como “gente”. Gosta de ler o mundo e dele retira inspiração para os seus escritos. A poesia para ela fotografa a essência do mundo.
No seu trabalho vivencia experiências diversas com crianças moradoras da periferia de São Paulo. Ser professora de Língua Portuguesa proporcionou-lhe um contato diário com livros e letras. Sua poesia retoma aspectos característicos de sua infância vivida no bairro de Vila Formosa, zona leste de São Paulo.