de-coq-à-l’âne à mon amy
proffezzor roberto bozzetti
teu mais recente livro li e reli
caro bozzetti como delivrasse
de cada letra uma conversa antiga
entre nós e com ecos de infinita
a palavra afinal nos salva ou naufraga
conosco este tremor involuntário
de poema assinatura ou o que valha
que sobreviva a magma cinza e amnésia
o que de mim resida ainda no outro
o que dos outros mora agora em mim
são perguntas difíceis a um céu frágil
de recifes estrelas e buracos
tão negros quanto o branco deste arquivo
em que toda palavra lida some
sob o garrancho sobrerrascunhado
em que a rasura vale mais que o nome
próprio caro bozzetti tu esboçaste
ipsis litteris este palimpsesto
com todo amorhumor de seu rumor
de riso que corrói como quem cura
desde o começo ao fim da logorreia
da onomatopeia da epopeia
da prosa centopeia que encadeia
a cada idéia nada e melopéia
e que ao passares a limpo mais debuxas
e ao passares por sujo mais bosquejas
este croqui de cacos sem encaixe
que é o mundo a um raimundo sem emenda
verve descabelada e cabeluda
exuberante em ti e em mim calvante
pois eu me raspo enquanto tu penteias
teu manual de hiatos e autojubas
assim de coq-à-l’âne proffezzor
amigo de consoadas e consoantes
de vogais e de ogivas vacantes
de erros crassos e acertos errantes
invejo-te e me flagro espiralando
esta sintaxe extensa de sinapses
e elipses que são eclipses e anagramas
que são teu zôo transgênico tua fauna
de êxtases e fodidos de madames
maldades e mendigos escondidos
nos trapos e nas tripas da cidade
que cheira como um éden no deserto
afinal a palavra salva ou salga
a terra provisória desta espécie
cospe ou canta escárnio ou panegírico
que a eternidade engula ou dê-lhe ouvidos
eu logo penso ao ler-te e no que indago
me flagro sem resposta caro amigo
pois mesmo o meu desdém e meu deslaio
teu livro me desmonta e me deslê
md