NUNCA SEREMOS MODERNOS
Um franco-atirador
em algum lugar
do oriente:
a bala do fuzil
tem design medieval.
Fundamentalismo
cego — intolerância
bélica.
Os glóbulos dos
severinos são perfumados
de mirra e petróleos pilhados.
Há caminhos que levam
à forca e barganham
a alma. Outros são
líquidos — escorregam
como sonhos entre as
guelras de uma orquídea.
A vida é errante,
só salva quando
deserta.
FIAT LUX
Distante
do espetáculo circense
da arte — a linguagem
está fatigada de informar.
Onde ela
realiza seu tirocínio
o poema
inaugura uma nova
bandeira.
Uma nuvem de concreto,
os peixes passeiam.
Calibre branco
de Breton:
revólver inconsciente.
As palavras são mutantes.
Quando um poeta
amplifica a realidade:
os versos adentram
na orfandade do caos.
Escutar
o silêncio do Gênesis.
Singeleza, flor de lótus.
Sonho angélico,
corolas de significados.
A poesia se faz lume.
GÊNESIS
Deus, como verbo,
é criação. Pecadores
são santos em potência:
universo em ebulição.
Antes do homem,
os peixes brincavam
nos grânulos da linguagem.
Celebramos o que nos falta.
A poesia é o brilho
de uma estrela
fora de época.
Em tempos implumes,
esqueço os dialetos
falados na Torre
de Babel e brigo
com homens e demônios.
DESREGRAMENTO DO SER
A falta de senso prático me
enraíza nas coisas do alto.
Entro em simbiose com estrelas
de outras esferas, mares
que guardam segredos de um rei,
plantas anômalas, homens e mulheres
em cápsulas de felicitinas.
A beleza de um sentimento corresponde
ao seu risco.
Insurgem ecos de uma explosão paradisíaca:
a minha inquietude quer sê-la.
Sou como Empédocles,
sigo o que acredito
até a cratera de um vulcão.
(In: Digitais do Caos, selo Edith, 2016)
Tito Leite nasceu em Aurora/CE (1980). É poeta e monge, mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Têm outras coletâneas publicadas nas revistas Mallarmargens, Germina e na portuguesa Triplov. Sendo, DIGITAIS DO CAOS, o seu primeiro livro.