llega un punto en que
por todo lo vivido
conviene olvidar
quién se es
quién se espera que seas
y sobre todo, quién deberías ser
con la cara lavada
de estos maquillajes
y la mirada clara de un niño
como la yema de una rama
de sauce en septiembre
cuando el invierno
se desliza tan sólo
por un pequeño pliegue
hacia el Leteo
porque llega
–aunque no creas-
llega un punto
*
chega um ponto em que
por tudo que se viveu
convém esquecer
quem se é
quem se espera que sejas
e, sobretudo, quem deverias ser
com a cara lavada
destas maquiagens
e o olhar claro de um menino
como o broto de um galho
do salgueiro em setembro
quando o inverno
desliza tão só
por uma pequena dobra
em direção ao Letes
porque chega
-mesmo que não creias –
chega um ponto
***
alacercarnos a la vejez
los hechos adelgazan
se vuelven impalpables
como bruma
¿acaso esto era todo?
¿para llegar aquí
sufrimos tanto?
una golondrina
se balancea en la ventana
¿en qué pensaba?
¡oh! hay viento fuerte
algunas ramas se quiebran
entrar en la vejez
es un cambio en la luz
entrar ¿entrar, dije?
al alejarnos
del juicio
del temor
entrar no
sino salir
al viento
alacercarnos
*
ao aproximar-nos da velhice
os fatos minguam
se tornam impalpáveis
como bruma
por acaso isto era tudo?
para chegar até aqui
sofremos tanto?
uma andorinha
se balança na janela
no que pensava?
oh! um vento forte
alguns galhos se quebram
entrar na velhice
é uma mudança de luz
entrar, entrar, eu disse?
ao afastar-nos
do juízo
do temor
entrar não
senão sair
ao vento
ao aproximar-nos
***
cómo soportar la propia historia
el peso de todo lo que hicimos
y el de lo que no
sin poder cambiarlo y midiendo
ahora, las consecuencias
del vértigo
del miedo
o de la ineptitud
cómo soportar y soltar riendas
a ver qué hace el próximo jinete
y qué entregar aún
cuando hayamos
traspasado la montura
qué otra palabra
capaz de alquimia
o acaso de perdón
y aún así
cómo soportar
haber envejecido
y no saber
*
como suportar a própria historia
o peso de tudo o que fizemos
e o do que não
sem poder mudá-lo e medindo
agora, as consequências
das vertigens
do medo
ou da inaptidão
como suportar e soltar as rédeas
o que fará o próximo ginete
e o que entregar ainda
quando tivermos
traspassado a montaria
que outra palavra
capaz de alquimia
ou acaso de perdão
e ainda assim
como suportar
ter envelhecido
e não saber
como si tal cosa
el sobre refulge
entre los libros
y su resplandor no se parece
a nada conocido
(pensar que venimos
del irreverente deseo
de los cuerpos
y ahora, ya cansados
se aquietan
entonces, descubrimos
el inextinguible anhelo
de las almas)
la carta es un pasaje
al abismo del otro
que pregunta
el otro que busca
un remanso, una raíz
otro que aquiete, escuche
(los anhelos que se funden
confunden y se avivan
como llama al viento)
la carta interpela
a una soledad
más honda que lo solo
interpela, demanda
la carta comparece
y nada se ha acabado con los años
y nada resolvimos
los desiertos florecen en el beso
las lenguas se hablan hacia adentro
y las bocas se anudan a un paisaje
de grietas sumergidas en océanos
la carta no es caricia
ni tampoco renuncia
su gesto me interroga
desde el hueso
a mi hueso
(cada conciencia un foco
cada conciencia un peso
una antorcha boqueante
que busca la ribera
donde lo posible estalla
donde el sosiego
abisma)
*
como se não fosse nada
o envelope refulge
entre os livros
e o seu resplendor
não se parece
com nada conhecido
(pensar que viemos
do irrelevante desejo
dos corpos
e agora, já cansados
se aquietam
então, descobrimos
o inextinguível desejo
das almas)
a carta é uma passagem
para o abismo do outro
que pergunta
o outro que busca
um remanso, uma raiz
outro que aquiete, escute
(os desejos que se fundem
confundem e se avivam
como chama ao vento)
a carta interpela
uma solidão
mais funda que o só
interpela, demanda
a carta comparece
e nada se acabou com os anos
e nada resolvemos
os desertos florescem no beijo
as línguas se falam por dentro
e as bocas se enrolam em uma paisagem
a carta não é carícia
nem tampouco renúncia
seu gesto me interroga
desde o osso
ao meu osso
(cada consciência um foco
cada consciência um peso
uma tocha minguante
que busca a ribeira
onde o possível estala
onde o sossego
abisma)
***
a pesar de los años nunca se sabe
cómo cruzar la calle ni
cómo abrir la puerta
ni cuál es el riesgo que se corre
qué hacer para evitarlo
o sondearlo
o bordearlo hasta llegar
a la orilla del otro
que nos llama nos dice
nos mira nos pregunta
¡ay! no se puede
averiguar por fórmula
y hay que saltar sin
ver el fondo de la grieta
que separa y une
por el ansia de aire
de abrazo
de anillo carnal
y de horas quietas
las ansias, el ansia
que no cesa
no cesa
*
apesar dos anos nunca sabemos
como atravessar a rua nem
como abrir a porta
nem qual é o risco que se corre
o que fazer para evitá-lo
ou sondá-lo
ou rodeá-lo até chegar
à margem do outro
que nos chama nos diz
nos olha nos pergunta
Ai! não podemos
averiguar por fórmula
e é preciso saltar sem
vero fundo da greta
que separa e une
pela ânsia de ar
de abraço
de elo carnal
e de horas paradas
as ânsias, a ânsia
que não cessa
não cessa
Poemas de "El privilegio de los años".
Ilustrações: Alate e Adam Wicinski
Ilustrações: Alate e Adam Wicinski
Graciela Perosio nasceu em Buenos Aires em 1950. Formou-se na Escola de Letras da Universidade de Salvador em 1972. Recebeu a Bolsa de Pesquisa Fundo Nacional das Artes para estudar a obra do poeta argentino Carlos Latorre. Escreveu dez livros de poesia: Del luminoso error, Brechas del Muro, La varita del mago, La vida espera, La entrada secreta, Regreso a la fuente, Sin andarivel, Balandro, El privilegio de los años, El ansia (inédito). A editora Ruinas Circulares da Argentina acaba de editar uma antologia de seus nove primeiros livros chamada Escampa, el corazón, completa a mesma um ensaio da Prof. Silvia Calero. Sua obra recebeu elogios de colegas e críticos no seu país eno exterior. Um poema de sua autoria foi selecionado para integrar um outdoor com ilustração de Alexiev Gandman, exposto nas ruas de Buenos Aires. Sua poesia inspirou instalações, performances, esculturas. No Museu Luis Perlotti, o escultor Aroldo Levy apresentou uma mostra baseada em seu livro La vida espera.
Luciana Cañete é poeta, tradutora, intérprete e mãe. Formada em Letras Português/Espanhol pela UFPR e pós-graduada em Tradução pela Universidade Gama Filho. Tem um livro publicado Meu coração bate e às vezes me espanca (Multifoco, 2009) e poemas na antologia 29 de abril : o verso da violência (Editora Patuá, 2015) e na antologia de 5 anos do Jornal Relêvo, 2015 além de poemas publicados diversos sites e blogs.