pertencimento
o meu umbigo
foi enterrado
nas terras pretas do curral
no meio do mijo
e do esterco
os meus pés virgens
foram postos
nos atoleiros dos encharcados
as minhas mãos
foram dadas
ainda cedo
às coisas do campo
os meus braços
conheceram a tiririca
e as minhas pernas, o cansanção
contra minha pele
investiram muriçocas,
abelhas e marimbondos
fui içado
sobre o lombo do cavalo
e dele caí como aprendiz
quando chego aos caminhos
que conduzem a este solo
retorno ao meu peito
e habito o meu coração
não há lugar no mundo
que substitua
a lama
que consumiu o meu umbigo
visitantes
vêm pelo dossel da mata
o mico-leão-de-cara-dourada
e o sagui-de-wied
vêm pela cabruca
e trazem o jupará
no meu pomar
plantei jabuticaba
goiaba, pitanga e araçá
aqui tem sombra de ipê
e perfume de manacá
vêm pelo dossel da mata
vêm aqui me visitar
admiro o fino bronze
da cara iluminada do mico
e das luvas bem calçadas
quer ver as listras do sagui
e com tinta de jenipapo tentar imitá-las
e, depois, com o jupará
chupar cacau na beira do pati
vêm pelo dossel da mata
vêm aqui me visitar
são tantas orquídeas e bromélias
por cada copa da abundante flora
mas espero vê-los a qualquer hora
encurvando as folhas da juçara
no rio que esta terra corta
água nunca faltará
o olho d’onde ele brota
somente o sabe o pé de ingá
vêm pelo dossel da mata
o mico, o sagui, e o jupará
vêm pela cabruca
vêm aqui me visitar
semente
o cedro cresce esguio
no meio do mato
quer esconder lá no alto
as suas folhas
e fugir da cobiça
quer viver, apenas
fugir da vista
ah, como almeja uma planta
que disfarce seu tronco
e como quer abrir sua copa,
mas não está pronto
sempre o mesmo pesadelo
de serra, pranchas
e mãos
sempre o mesmo medo
de terminar em uma sala
servindo banquetes
queria mesmo ater-se
ao trivial das matas
acolher as aves, os micos, as formigas
dar sombra às pacas
os pesadelos vagam pelas estradas
e ele acorda soltando folhas secas
Bago de Ouro
muitas vezes
trilhamos o mapa
do tesouro
no festim da natureza
nós éramos os intrusos
a subir nas suntuosas galhas da jaqueira
e descer com os enormes frutos
segurados pelos talos entre os dentes
quão nobre
era aquela árvore
que alimentava todos
e nós ficamos marcados
pelo seu visgo
no meio da roça
os bagos tão amarelos
quanto o ouro
gigante da floresta
durante muitos
e muitos anos
os ancestrais contaram a lenda
do gigante da floresta
os seus quarenta e oito metros
fazem das grandes árvores
pequenos arbustos
e dão à vegetação
o sentimento de relva
os animais parecem
pequenos insetos
e os insetos somem na imensidão
ele impera
nas densas matas do Camacã
que anoitecem os dias
onde apenas Cajango de Adonias ousou estar
no coração da selva
na brenha de serra retorcida apontando o céu
a confundir nuvens com brumas
majestoso e imponente
porque a dupla adjetivação é obrigatória
para aquele jequitibá
Geraldo Lavigne de Lemos é graduado em Direito (UESC), especialista em Direito Notarial e Registral (Anhaguera/Uniderp) e em Gestão Pública (UESC) e mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (UESC). Membro da Academia de Letras de Ilhéus, autor dos livros À Espera do Verão (2011), amenidades (2014), alguma sinceridade (2014) e Massapê: Solo de Poesia (2016), todos de poesia e pela Editora Mondrongo. Integra a antologia Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna (Editus/Via Litterarum, 1ª ed. 2009; 2ª ed. ampl. 2010). Desenvolve os poemas furta-cores desde 2014. Foi curador do II Festival Literário de Ilhéus.