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o sul da Bahia é o centro iluminado do mundo nos versos de Geraldo Lavigne

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pertencimento

o meu umbigo
foi enterrado
nas terras pretas do curral
no meio do mijo
e do esterco

os meus pés virgens
foram postos
nos atoleiros dos encharcados

as minhas mãos
foram dadas
ainda cedo
às coisas do campo

os meus braços
conheceram a tiririca
e as minhas pernas, o cansanção

contra minha pele
investiram muriçocas,
abelhas e marimbondos

fui içado
sobre o lombo do cavalo
e dele caí como aprendiz

quando chego aos caminhos
que conduzem a este solo
retorno ao meu peito
e habito o meu coração

não há lugar no mundo
que substitua
a lama
que consumiu o meu umbigo





visitantes

vêm pelo dossel da mata
o mico-leão-de-cara-dourada
e o sagui-de-wied

vêm pela cabruca
e trazem o jupará

no meu pomar
plantei jabuticaba
goiaba, pitanga e araçá

aqui tem sombra de ipê
e perfume de manacá

vêm pelo dossel da mata
vêm aqui me visitar

admiro o fino bronze
da cara iluminada do mico
e das luvas bem calçadas

quer ver as listras do sagui
e com tinta de jenipapo tentar imitá-las

e, depois, com o jupará
chupar cacau na beira do pati

vêm pelo dossel da mata
vêm aqui me visitar

são tantas orquídeas e bromélias
por cada copa da abundante flora
mas espero vê-los a qualquer hora
encurvando as folhas da juçara

no rio que esta terra corta
água nunca faltará
o olho d’onde ele brota
somente o sabe o pé de ingá

vêm pelo dossel da mata
o mico, o sagui, e o jupará
vêm pela cabruca
vêm aqui me visitar





semente

o cedro cresce esguio
no meio do mato

quer esconder lá no alto
as suas folhas
e fugir da cobiça

quer viver, apenas
fugir da vista

ah, como almeja uma planta
que disfarce seu tronco

e como quer abrir sua copa,
mas não está pronto

sempre o mesmo pesadelo
de serra, pranchas
e mãos

sempre o mesmo medo
de terminar em uma sala
servindo banquetes

queria mesmo ater-se
ao trivial das matas
acolher as aves, os micos, as formigas
dar sombra às pacas

os pesadelos vagam pelas estradas
e ele acorda soltando folhas secas





Bago de Ouro

muitas vezes
trilhamos o mapa
do tesouro

no festim da natureza
nós éramos os intrusos
a subir nas suntuosas galhas da jaqueira
e descer com os enormes frutos
segurados pelos talos entre os dentes

quão nobre
era aquela árvore
que alimentava todos

e nós ficamos marcados
pelo seu visgo

no meio da roça
os bagos tão amarelos
quanto o ouro





gigante da floresta

durante muitos
e muitos anos
os ancestrais contaram a lenda
do gigante da floresta

os seus quarenta e oito metros
fazem das grandes árvores
pequenos arbustos
e dão à vegetação
o sentimento de relva

os animais parecem
pequenos insetos
e os insetos somem na imensidão

ele impera
nas densas matas do Camacã
que anoitecem os dias
onde apenas Cajango de Adonias ousou estar
no coração da selva
na brenha de serra retorcida apontando o céu
a confundir nuvens com brumas

majestoso e imponente
porque a dupla adjetivação é obrigatória
para aquele jequitibá




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Geraldo Lavigne de Lemos é graduado em Direito (UESC), especialista em Direito Notarial e Registral (Anhaguera/Uniderp) e em Gestão Pública (UESC) e mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (UESC). Membro da Academia de Letras de Ilhéus, autor dos livros À Espera do Verão (2011), amenidades (2014), alguma sinceridade (2014) e Massapê: Solo de Poesia (2016), todos de poesia e pela Editora Mondrongo. Integra a antologia Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna (Editus/Via Litterarum, 1ª ed. 2009; 2ª ed. ampl. 2010). Desenvolve os poemas furta-cores desde 2014. Foi curador do II Festival Literário de Ilhéus.

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