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IX POEMAS DE PAUL CELAN

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Versões de Luís Costa



OUÇO , o machado floresceu,
Ouço, o lugar é inominável

Ouço, o pão , que o olha,
cura o enforcado,
o pão que a mulher fez

ouço, eles chamam à vida
o único refúgio


HAVIA TERRA neles
e escavavam.

escavavam e escavavam e assim passavam os dias
e assim passavam as noites. E não louvavam a Deus
que, segundo lhes disseram, queria tudo isto,
que, segundo lhes disseram, sabia de tudo isto.

Escavavam e nada mais ouviam;
e não se tornaram sábios, nem inventaram um cântico,
nem imaginaram uma nova linguagem.
escavavam.

Veio uma calmaria e também uma tempestade,
e vieram todos os oceanos.
Eu escavo, tu escavas e igualmente o verme escava,
e aquele cântico remoto diz: eles escavam.

Oh uno, oh nada, oh ninguém, oh tu:
aonde foste, se ninguém lá foi?
Oh, tu escavas e eu escavo, escavo - me para ti,
e no dedo o anel acorda-nos.


PARTE DE NEVE, empinada, até ao fim,
no vento que se ergue
para sempre diante das cabanas
sem janelas:

sonhos rasos silvam
por cima
do gelo estriado

arrancar a golpes
as sombras da palavra,
entreabri-las à volta dos grampos
no fosso


VINHATEIROS desenterram
o relógio de horas obscuras
profundidade a profundidade,

tu lês,

o invisível
coloca o vento
nos limites

tu lês,

os abertos levam
a pedra atrás do olho,
ele reconhece-te,
quando é sabat.


QUALQUER DAS PEDRAS QUE LEVANTES

Qualquer das pedras que levantes –
descobres
aqueles que necessitam do abrigo das pedras:
nus,
já renovam o entrelaçamento.

Qualquer das árvores que abatas –
constróis
o leito sobre o qual
as almas outrora se amontoavam ,
como se não se afligisse
também este
Éon.

Qualquer palavra que digas –
deve-la
à perdição.


NOS CHIFRES DO NEVOEIRO

A boca no espelho recôndito,
De joelhos em frente ao pilar do orgulho,
A mão com a barra de grades:

passem a escuridão uns aos outros
chamem o meu nome
levem–me até ele.


UMA FOLHA, sem árvore,
para Bertolt Brecht:

que tempos são estes
em que um diálogo
é quase um crime
porque encerra tanta
coisa dita?


GRADE DA LINGUAGEM

Redondez de olho entre as barras.

Pálpebra animal tremulante
rema para cima,
concede uma mirada livre.

Íris, nadadora, turva e sem sonhos :
o céu, coração cinzento, deve estar próximo.

Oblíqua, na boquilha férrea,
a lasca fumegante.
Na razão da luz,
adivinhas a alma.

( Se fosse como tu. Se tu fosses como eu.
Não estaríamos debaixo
de um só Alísio?
Somos estranhos. )

As lajes. Sobre elas,
muito juntas, ambas
poças coração cinzento :
duas
bocas cheias de silêncio.


COM CARTA E RELÓGIO

Cera
para lacrar o não escrito
que adivinhou
o teu nome,
que encripta
o teu nome.

Já vens, luz flutuante?

Dedos ,de cera também,
arrancados por
anéis doridos e alheios.
Derretidas as pontas .

Vens, luz flutuante?

vazios de tempo os favos
do relógio,
nupciais as mil abelhas,
prontas para a viagem.

Vem, luz flutuante.








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