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8 poemas de Maurício Cavalheiro

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Erik Johansson



MENINO HOMEM MENINO

Nasci bicho do mato
com medo de gentes

Se voz estranha se avizinhasse
empoleirava na mangueira
ou espremia os olhos debaixo da cama
e me escondia dentro de mim

...ou fincava o queixo no peito
de modo que meus olhos não se atrevessem
a deixar o chão

Cresci menor do que era
me fizeram menor do que era

Pelas frestas da janela
a lua trocava ramalhetes de estrelas
por minha solidão

Aprendi o idioma dos pássaros
a os segredos das sementes
- fiquei do tamanho da imensidão

Tentaram adulterar minhas heranças
- não sabiam que raízes genuínas 
não sofrem erosões -

Nasci bicho do mato
com medo de gentes

Após muitas ranhuras e alguma sequela
troquei o medo de gentes por
cautela.



DESAPEGO

O tempo vai amarrotando vaidades
alinhavando o efêmero
para a desconstrução do nada
que somos 

A flor morreu no anonimato
- no caminho pedregoso inventado
os arrependimentos são tardios

A vida é um aprendizado para quem quer aprender

Arranquei todos os bolsos para o resto do caminho
o que realmente tem valor
guardo no coração



C(R)OMO SOMOS?

Há flores de vários tipos, tamanhos, cores,
no jardim uterino:
sagrado invólucro do sublime
onde o Amor se multiplica.

A sociedade sem alma
se escandaliza com a flor dessemelhante
- anomalia é o desamor,
é eleger padrão para as obras de Deus.

Toda vida merece ser cuidada
por toda vida
- florir e reflorir felicidade
é o que a nós compete.

Na matemática do Amor
vinte e três mais vinte e três
também é quarenta e sete



TU ME AMAS? 

Venhas comigo, mas deixes
os teus anéis e colares
que te darei vagalumes
e fios de sonhos lunares.

Deixes sapatos e bolsas,
roupas, perfumes e afins,
que eu te prometo um vestido
tecido por querubins.

Venhas comigo à montanha
para viver ao meu lado
em uma casa, onde estrelas
têm a função de telhado.

Terás um campo de flores,
e asas de voo irrestrito
pra desvendarmos recantos
do amor, do amor infinito.

Pousarás teus mil desejos
sobre os mil desejos meus,
e cada instante do êxtase 
terá as bênçãos de Deus.

Não tardes... o tempo escasso
não parará pra esperar.
Eu te ofereço o que é simples
com a imensidão do mar.

Quando chegares, irei
dizer ao ouvido teu
que tu moras em meu peito...
Será que moro no teu?



Jerry Uelsmann
 

ALIENÍGENA

Os meus poemas têm pouca opacidade
não bebo águas de babel
prefiro a seiva das constelações e floras
para evitar monólogos 

No clube fechado agigantam minúsculos
farsa que ludibria bêbados de si mesmos
mas nem tudo é regra
cascalhos escondem preciosidades

Na busca pelo verso imperecível
navego primaveras perenais
o amor é rima desgastada
para quem não sabe usá-la.



TRAVESSIAS

Aos onze anos vi meu pai partir
com a bagagem de explosivos
Nenhuma lágrima rompeu
a revolta que represava oceanos

Entardeci cedo demais
sobre a ponte dos desafios
- não havia mapa de atalhos
não havia mapa de desvios

Fui esculpido por mãos severas
áridas de carinho
que apontavam o caminho 
da retidão

- O amor pode ser duro
como um diamante -

Sofri com a maturação
no vale das vicissitudes
onde compreendi 
a minha significância

A missão é dura. Em madrugadas 
nem sempre guardo o choro
Se o fardo é pesado
Deus é meu ancoradouro.



FRESTAS DO TEMPO

Às vezes, fecho os olhos 
e vejo o menino descalço 
pisando em poças de felicidade
que a chuva inventou

Vejo-o deitado no chão
ao lado da mãe 
saboreando origamis de nuvens

Às vezes, fecho os olhos 
e vejo o tempo desenhando sonhos
no coração do menino-moço
que sorri para as estrelas
e conversa com a lua

Vejo-o diuturnar 
na colheita de versos imaculados
para a flor-mulher

Às vezes, abro a minha alma
e minha alma me revela
que meus ontens 
sempre serão atuais.



BAILE DE MÁSCARAS

por excesso de vírgulas 
meus pés singraram lodaçais e abismos
mas preferi jejuns a engolir perjúrios
- a fome não devora a minha dignidade 

sobrevivi a escombros e parti
sem bússola, sem mapas, sem mim
sabendo que os calos enrijecem a alma
mas não detêm erupções 

outros aromas, outras nuanças, outros ardis
no vale das sanguessugas 
há muita carne estragada em traje de gala
para mais um baile

como sabê-la? A valsa não para 
- onde estará a dama sem maquiagem?




 
Maurício Cavalheiro, paulista, nascido em Pindamonhangaba no dia 18 de maio de 1964. Graduado em Letras pela Faculdade Anhanguera de Taubaté. Ocupa a cadeira número 30 da Academia Pindamonhangabense de Letras, onde integra a diretoria como segundo tesoureiro. É secretário na diretoria da UBT – União Brasileira de Trovadores, seção de Pindamonhangaba. Livros publicados: Lágrimas de Amor, poesia; O sapinho jogador de futebol, infantil; O estuprador de velhinhas & outros casos, contos; O menino que quase virou árvore, teatro infantil; O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte, cordel; Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda, cordel; Zé Ruela e a capela de Sant’ana. Blogs: rastrosliterarios.blogspot.com.br aultimacabeca.blogspot.com.br



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