Pela última vez assombro esse cinema moribundo. Caminho pelas fileiras, até a boca de cena, sentindo os pés descalços grudando como ventosas no assoalho ruminado que ninguém limpou. Deslizo os dedos pelas costas dos assentos machucados e liberto, um a um, os outros espectros que ainda insistem em mim. Gargalhadas infantis e gritos. Suspiros e lágrimas. Putaria de casais inofensivos e juras de amor, verdadeiras apenas até o fim da sessão. Cinicamente, detenho-me um pouco mais nos últimos. Termino meu trajeto a tempo do “fade out”. Fim. Seguem-se os créditos. Nada se acende e nenhuma porta se abre. O projetor cerra seus olhos. Eis a última valsa do visível. A penumbra envolve as formas identificáveis e o que restou de mim. Vem o silêncio. Ocupo meu lugar no coral morto do cinema mudo. E depois... nada.
Decidido: o Pretérito Imperfeito do Subjuntivo é um filho da puta. Ontem mesmo, ele invadiu minha casa todo feitor, com uma chibatada punitiva para cada última curva feita, para cada potencial encerrado.
A cada “se”, quando se é apenas tristeza, lamentação e poeira de estrelas, ele questiona impiedoso enquanto salga as feridas. E deixa claro que a culpa é toda nossa, sempre nossa, maldito juiz newtoniano.
A cada “se”, quando se é apenas tristeza, lamentação e poeira de estrelas, ele questiona impiedoso enquanto salga as feridas. E deixa claro que a culpa é toda nossa, sempre nossa, maldito juiz newtoniano.
Apenas o ponto final faz sentido no poema.
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Raphael Carreteroé carioca de 1974. Antissocial, contraditório, irônico, ansioso crônico, mordaz, bipolar, ama tattoo e pinta aquarelas (destrói quase todas elas). Vê séries e lê HQs. Acima de tudo, não é poeta.