Electrifico-me
Electrifico-me
nos passos na curva incerta
Choque entre agulhas – veias –
- caminho de ferro rumo a ti
Estremeço onde o sono me tem
na paragem
da ausência
Depois acordo dentro da vitrine
Século – tentáculo cujas pernas
se lançam para o exterior
em surto de ramos luminosos
onde as aves caem
electrocutadas
Grito
Eco – sede – ferida
nesse teu voo alucinado
Vens em sonora
água em derrame
sobre o fumo
Voas sobre a fuligem deste tempo
onde te perco.
(in “Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
As minhas mãos
Em concha as minhas mãos oferecem
o sabor da titânica
paisagem de ranchos
vindimadores numa estreita
dádiva
água criadora
serros montes encostas vales
terra lavrada
As brancas casarias avistam
o labutar dos membros
os rebanhos a chocalhar
ermas fora
O rio abre um sulco navegante
que se ergue em cachões difíceis
como estes braços
vergastando machos
que equilibram canastros
recalcados de uvas
onde poisam abelhas
pelo melaço.
(in “Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Tequilha
Bebo uma tequilha de Frida
neste dia de finados
O chão treme, a segurança é termos um ninho na árvore
mais recolhida da indústria
Passa um mendigo esfarrapado que pára de cantar
Happy Birhday, fiéis defuntos!
Quero confraternizar com as feridas
Num danzón no salón México!
Anoitece no passeio dos olhos de fumo
Tiro a roupa. espero não regressar à realidade
Aqui morro com marimbas, despida.
Que me lancem, sôfregos versos,
os vagabundos invisíveis de Mictlán.
(inédito -2013)
Amália transversal
Mais aceso é o poema na máquina vocal
A ardente esvoaça no palco, onde resgatamos o instante do destino, em retrato
A fortaleza com que nos amacia entranhas docemente
O som vai crescendo
com o despontar da lágrima contida. já sem palavras. só o timbre
Dentro, uma harmonia triste
Fado da lonjura - nevoeiro dos mortos e dos que ainda respiram faróis - a Saudade - horas sagradas, as da escuta. Amarramos
o horizonte à crença nessa estirpe inatingível. voltará a erguer-se
como a voz, uma vez dormida ou embriagada
poética de projecções
Navia olha por nós, na correnteza das águas. a melodia transborda
a força dos versos na manhã clara
O povo sempre canta.
(inédito – 2013)
Desbravamento
Em cada passagem um desbravamento
mais do que mistério
ou ritual
Em cada transformação um sopro
mais do que passo
mais do que tempo
Que se brinde
ao Desconhecido
que trazemos dentro
que se brinde ao mover dos lábios
rente ao cálice,
revolucionário amor.
(inédito, 2013)
Fumo
Esquece-te de mim
amor que eu quero
só na neblina
só no desfeito
silêncio da sílaba
Esquece-te de mim
perde de vista
o meu fantasma
na estação Desejo
Esquece-te das mãos, dos gestos
do rosto que nos beijos
te levou sem nada
Esquece-te do nome, da figura
Esquece-te de quem fui
não sendo em ti
mais do que pó
Assim na carruagem a combustão
golpeará o fim do trajecto
e no céu
o fumo intenso.
(inédito, 2013)
* * *
Marília Miranda Lopes nasceu a 22 de Maio, no Porto. Poetisa, crítica literária, dramaturga e escritora de canções. Formou-se em Línguas e Literaturas Modernas (variante de Estudos Portugueses) pela Faculdade de Letras da Universidade da cidade onde nasceu. É professora de Língua Portuguesa do Ensino Secundário e formadora pelo Conselho Científico -Pedagógico de Formação Contínua nas áreas das Didácticas Específicas e das Oficinas de Escrita – Poesia e Teatro. É autora de canções para a infância que integram vários projectos de animação do livro e da leitura a partir da obra de Aquilino Ribeiro, dos irmãos Grimm e de Alfonso Sastre. Escreveu Poesis em Oásis (poesia, 1994), Framboesas (Teatro, 1996), Geometria (poesia, 1998), O Escudo Invisível (conto da antologia “Histórias Tiradas da Gaveta – edições Tellus); O mais belo segredo do mundo (poema da antologia “Pequeno Cancioneiro de Natal, 2000); Maria da Silva, pastora e rainha (peça representada pela Filandorra- Teatro do Nordeste; 2002) Templo (poesia, colecção Tellus, nº10; 2003); Duendouro – Era uma vez um rio… (Teatro, 2007 - Edições Afrontamento); Aqua (conto incluído na antologia “Pegadas”, editado pela Q de Vien, com autores portugueses e espanhóis); e “Castas” (Poesia, 2012 - edições Q de Vien Cadernos da Porta Verde do Sétimo Andar).
Tem participado activamente em alguns eventos culturais, tais como “Portuguesia; no Festival de Literatura do Algarve, em Filo-cafés promovidos pela Incomunidade e pela Associação Extrapolar e Raias Poéticas (Famalicão, 2012). Tem publicado poesia, prosa poética e recensões, quer no seu blog “Cosmoscripto”, quer em revistas e jornais, entre os quais o “Letras & Letras“ (recensão do livro “Imobilidade Fulminante” de António Ramos Rosa, entre outras publicações) e Triplov.