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"SOLEDADE", CONTO DE RUBERMÁRIA SPERANDIO

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Fim de expediente.
Ela está em trapos. Joga sobre a cama os restos de carne que lhe sobraram para cobrir os ossos.  As molas do colchão dão seus últimos rangidos. Foi-se o último vampiro, noite adentro. Acende um cigarro juntando as oito notas de cinquenta. Poderia ser melhor se tivesse conseguido abrir a veia para, ao menos, mais dois sanguessugas, já está ficando velha. Amarra as notas em um elástico. Todo cuidado é pouco com aquele sangue derramado que vai lhe desbotando as faces a cada dia.  Não tem nenhuma reserva de vida. Nada lhe espera. Muitas lembranças também se foram neste espaço onde não cabe nem o tempo marcado. Muitos minutos são golpeados pelas horas. Não tem nada escrito. Nunca terá.
Só aquela fotografia. Cinco centésimo de um segundo. É a sua história. Já está desbotando também. Do território onde distribui suas sesmarias, todos os dias, olha um pouco para aquela imagem, uma menina de cinco anos, descalça, vestindo apenas uma calcinha para economizar roupa e sabão, brinca na terra. O vento penteia seus cabelos. No final do dia ficava toda enlameada, disso nunca esquece. Ela sorri, é o primeiro entre os gemidos do dia. Gostaria de voltar ao barro. Poderia vir a ser uma panela, outra cadela, ou, quem sabe,
Andorinha
Agora ela está indo dormir enquanto outras estão acordando.
- Sol...

- Só passei para dar boa noite, também estou indo.

*    *    *

Rubermaria da Silva Sperandioé formada em comunicação social com Mestrado em Estudos de Linguagens pela UFMT. 


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