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Taras Kuščynsky-Venuse-1971 |
exercício espiritual nº 1
ter nas mãos
a vida de uma
cerâmica
o torno-artesão é que molda
mãos
- matéria bruta
flagrante
segurava a manga como um coração quente, passando os dentes por entre as fibras pra escavar a petulante doçura da carne fresca, esse odor misterioso de mênstruo sob as cascas
segurava o coração como manga madura, chupando seu sumo arredio de fruto, afundando o desejo na maciez da polpa até fazer brotar a gota rendida do suco
então mirou suas mãos criminosas e enojou-se do visco natural dos vivos, da textura pegajosa do irreversível, enquanto o líquido escorria por seus braços, formando – nem amareliça nem sanguínea – a espuma alaranjada do escândalo
aborto
antes que profiras o arroto da alma
antes que assimiles o fonema do gozo
antes que apontes os dentes do trauma
antes que esfoles a garganta do léxico
antes que articules a palavra
quisera penetrar-me com as próprias mãos
para tapar-te a boca
Arranha-céus
Fosse a solidão uma cama nua
violada pelo nada-sopro
de um ventilador de teto
– não arranha-céus à distância
de uma braçada; não,
não chafarizes lado a lado
lançando-se aos ares e recolhendo
sobre si suas gotas. Fosse
o amor um abrir de braços.
Mas eis sobre meu leito a carne
e o osso de teu corpo-memória; eis –
no vão entre tábuas de madeira – o calibre
do tempo
arranhando, exasperado, o assoalho.![]() |
Foto: André Gomes de Melo |
Giselle Vianna nasceu em Campinas-SP em 1981. Morou 8 anos em Cuiabá-MT e hoje reside em São Paulo-SP. Formada em Direito pela USP, é mestre e doutoranda em Sociologia pela Unicamp.
É autora do livro Interpeles (Ed. Komedi, 2008) e organizadora do livro Tempo de Jabuticabas (2016). Idealizou o Coletivo Ocupecompoesia, que promove ações político-poéticas na cidade de São Paulo. Atualmente trabalha em seu próximo livro de poesia, Pau-rodado, que será lançado em dezembro de 2016 pela Editora Patuá.