7 POEMAS DA SÉRIE
LIVRO DE RETRATOS
ARTHUR RIMBAUD sumir aos poucos estrela decadente no céu da rússia no inferno de dante no deserto da abissínia ou no sertão do crato lento destino triste sina melhor sumir de vez sem deixar rastro |
BASHÔ algo tão pequeno quase nem notado (um grilo esmagado o salto de um gato) menos que um lago menos que um vulcão em erupção muito menos que o olhar descansado de um cão |
BLIND WILLIE JOHNSON estradas cheias de pessoas riscos no asfalto no ar, nos trilhos trens lotados carros, aeroplanos lenços, lágrimas acenos de adeus – quantas histórias bruscamente interrompidas? quantos gestos apenas esboçados? quantas palavras dissolvidas antes de lançadas ao ar? quantas músicas que ninguém ouviu? sons macios fogueiras apagadas a voz rascante de um negro cego e pobre soando no lado de fora de uma pequena igreja em beaumont i want somebody to tell me answer if you can i want somebody to tell me what is the soul of a man – onde, em que espelunca, este alguém? pouco importa agora a noite estrelada expõe em sua galeria de arte berçários de galáxias buracos negros planetas girando sóis dissolvidos nebulosas, asteroides mundos abissais e todo o movimento reduz a quase nada o vai-e-vem das estradas cheias e este nada, querida é tudo o que temos |
CARAVAGGIO foge caravaggio foge antes que cortem sua cabeça antes que queimem seus pecados e você junto na fogueira da insanidade foge caravaggio foge e cuida dessa ferida essa febre que queima o sono dos pirados essa febre que faz arder a lenha das noites insones — a vida você sempre soube a vida é muito mais perigosa que a morte foge caravaggio foge antes que os cafetões esfolem sua carne e moam seus ossos pra farinha e sirvam aos abutres e aos biltres e aos que rastejam na lama e aos que fodem as putas como porcos foge caravaggio foge antes que te matem antes e não tenha dúvida a loucura é teu último refúgio |
CHET BAKER na bruma do bar noite alta disse o mestre ao discípulo: repara a música não está na flauta a música está em quem toca a música da vida com dedos de astronauta |
ITAMAR ASSUMPÇÃO chega de conversa mole no me gustan abobrinhas não suporto lero-lero não me sirvam rocambole me chamam de nego dito dizem que sou um bandido mentira, injúria, calúnia meu nome não é maldito medito quando me deito me meço, me viro, me esqueço, piso no calo e zum me despeço por linhas tortas rumo infinito e ao mal entendido de tudo fica o dito pelo Benedito |
MANOEL DE BARROS por vezes cem vezes tão pequeno mais pequeno que uma taturana mais pequeno que um rola-bosta mais pequeno que um tatu-bola mais pequeno que uma formiga mais pequeno que um grão de pó tão pequeno pequeno que sequer é visto tão pequeno pequeno que se pode guardar (misteriosamente vivo) no dobra do paletó na gola do vestido |
Ademir Assunção (Araraquara/SP, 1961) é poeta e jornalista. Publicou livros de poesia, contos, romance e jornalismo, entre eles A Voz do Ventríloquo (Prêmio Jabuti), Pig Brother, Até Nenhum Lugar (ambos pela Patuá), Adorável Criatura Frankenstein, Zona Branca, A Máquina Peluda, LSD Nô e Faróis no Caos. Gravou os cds de poesia Rebelião na Zona Fantasma e Viralatas de Córdoba, com sua banda Fracasso da Raça, formada por Marcelo Watanabe (guitarra), Caio Góes (contrabaixo) e Caio Dohogne (bateria). Integrou diversas antologias internacionais como New Brazilian & American Poetry (New York), Perfectos Extraños – Seis Poetas de Brasil (Cidade do México), Pindorama: 30 Poetas de Brasil (Buenos Aires) e 90-00 - Cuentos Brasileños Contemporáneos (Lima). Letrista de música, tem parcerias gravadas por Itamar Assumpção, Edvaldo Santana, Madan, Nei Matogrosso, Patrícia Amaral, Titane, Mona Gadelha e banda Nhocuné Soul. É um dos editores da revista Coyote, junto com os poetas Rodrigo Garcia Lopes e Marcos Losnak. Site: www.zonabranca.com.br. Foto: Juvenal Pereira. |