Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

3 POEMAS DE NATHAN SOUSA

$
0
0






prataria
(a concavidade milenar das ostras)




pedaços de pão sobre o prato, ou repastos de palavra e língua
quando se lambe o lábio, enfastiando-se de restos.

sobras sobre a louça cálida: seu leite farto,
seculorum, feito mármore ou silêncio de boa fibra.

do outro lado da vidraça, uma abelha circunda
a fruta como se dalí dormisse de bruços
sobre a tela.

e as costas de gala éluard, incólumes, ante a saliva e o
naufrágio do oxigênio – na funda horizontal
                   que dos glóbulos escapa – 

reacendem e acalma-se
na memória, como se a tinta e o desejo
fossem hemisfério e asa.

porque são cegos seus olhos brancos.



agudos





é no espaldar da noite que eu deposito minha asas
entrançadas de viagem e véspera; nas espáduas da pedra
descalça que o pé suaviza e afasta.
regresso a esmo sem que o coração alcance
um cogitar de agudos (este suplício de louça branca,
esta cascata de água fria na penumbra).

um deus-dará rege este vento a que me atenho.
dele, desnudo o que a caliça esconde de sua fome sem hora.

entre nós há silêncio e lástima reprimida
(um tropel de abalos pisoteando o chão do abismo).
não há quimera que me ofusque o desespero.

só o acaso saberá domesticar esta vaga certeza
que me fareja como se a memória e o aço
fossem desejo e língua.
ou sêmen
e pólvora.


rapinas
(dorso escuro, ventre prateado)




vejo uma fêmea entre um feto e uma lata de detritos.
estou também na lástima desta deusa de sepultos.
e enquanto as esfinges conspiram nas esquinas,
voa uma sanha frívola de rapinas, acossando os répteis
das línguas tingidas ao sobejo e ao catchup.

sangra o amor, aquele que arrisca o afago com os dentes.
canta no freio da pressa o estribilho que o ferro grita.

vaza (intacto), o olho cravado na dura pele de piche,
que mina de suas entranhas repastos de esperandança
recheios de sanduíche.


*    *    *


Nathan Sousa (Teresina, 1973). É Tecnólogo em Marketing, escritor, acadêmico, professor, poeta e letrista.  Venceu vários prêmios literários, dentre eles o Prêmio Machado de Assis 2015 (Confraria Brasil-Portugal) e o Prêmio José de Alencar 2015 (UBE). Foi finalista do Prêmio Jabuti 2015 na categoria poesia e finalista do Prêmio OFF FLIP Bibliomundi de Literatura 2016. É autor dos livros O Percurso das Horas (Edições do Autor, 2012), No Limiar do Absurdo (LiteraCidade, 2013), Sobre a Transcendência do Silêncio (Prêmio LiteraCidade 2013), Um Esboço de Nudez (Penalux, 2014), Mosteiros (Penalux, 2015) e Nenhum Aceno Será Esquecido (Penalux, 2015). É membro da Academia de Letras do Médio Parnaíba.  Dois Olhos Sobre a Louça Branca (Penalux, 2016) é o seu mais novo livro. Tem poemas traduzidos para o inglês, espanhol, francês e italiano.




Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548