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7 POEMAS DE MEDEIROS CLAUDIO

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Espelho [feat. João Nogueira] / There will be blood



agora que seus amigos estão mortos
revezaremos o peso da planta
dos cascos
nos dias


teu corpo nos dedos afoitos
trançados na crina
resiste


o bicho mordido te arrasta
a galope seu mundo
ultrapassa


eu deveria agregar os filhos que você não botou no mundo
mosto de gente mestiça fui assumindo toda situação
de rua dos que nascem rivais entre si
dos que não têm seu nome
os que não têm
vontade

no princípio era o verbo embarcar e o verbo se fez
muita carne processada e embutida
nas vísceras d’anau
dos pretos
me viu chegar sem meus sapatos perguntou pela dignidade,
chance de dizer que humanizei os cavalos da família
quando é você que eles preferem abrir estradas
cercar limites além-mar cruzar os
sangues mais sadios torcer
nos ramos das mulheres
recém-civis
fiados

pra pagar os músculos aos pais, aos avós os músculos
dos animais pra pagar a terra ao
primeiro que trocou
tinta de madeira
pelo mal-do
-coito

volto a consciência de couro, este lugar
de quina de mesa apago, a
propriedade do livro
que você está
pisando
agora
custa
tanto




estaca zero

1/ deixou uma importância de réis em conta conjunta. pra casamento deixou vestido. irmão pagou festa, pagou uma máquina de costura, uma joia. 2/ o noivo fez casa, campo grande, resto de material de obra da empreiteira. empregaram. o pai do noivo fez o apadrinhado não. comia filha do colono. botou em telhado de zinco, meio do bananal, pelo que engorda. nasceu. comia. prova que vinha rastro, jato de desejo, a cria. mais cinco. nascia mais. arcada forte, pele corada, descalça, saudável, fugiu. veio ele, cavalo. filho menos moço puxou de estaca de estrada, quebrou joelho no do cavalo, que o pai morreu. largou lá sem nome. 3/ eram de jesus. então fodam-se. a noiva era nome não do sangue, do padrinho. o noivo menos. noivo foi o que era sendo. primeira linhagem. da estaca: zero. zerou espontâneo em seguida gerou principalmente. engordou. um não. anjo, brigou com. venceu, invicto. trata jacó. puxou anjo, aparou, rasgou a galinha no bucho 4/ atende. da garganta desmembra braço, canino roça assanha o peito, da espinha nervo seco ou viga: piroca. baba. mingua o homem vinga touro em parecença e natureza: não mata, estanca. depois fala mas observa, bovinamente.




“Assim é que a civilização se impõe, primeiro, como uma epidemia...”



todas
as crianças brancas ainda
nascerão
de mães pretas na rua
marquês
de são vicente na gávea


todas as bonitas
crianças
há quatro gerações
da rua leblon
comerão
pelo brasil
           

ninguém ignora
que de quatro
gerações pra cá
o mundo sempre sorriu
no leme
para as crianças brancas

  



cozinha portuguesa

as gelosias as paredes Grossas senhoras com tapa-missa nos cabelos Gordas  Compoteiras de doces de cristais Fidalgos charutando muleques nas ventas muleques como formigas nas nossas pernas pedindo

a Benção
à mesa da casa da minha tia portuguesa Gordas jarras de azeite meus Vasos de leite                [Ladrilhos Mouriscos esse seu cheiro antigo

Minha prima!

seus sorrisos de canto de beijo o bafo que bofa da tua alcova,
minha prima,

meus primos,
conversas de gado, meus primos,
de galo de briga cavalos canários puleiros

a louça lavada na mesa toalhas na mesa
a louça lavada na chuva toalhas de banho
a louça quebrada na mesa tolhas no tempo

A chuva!

minha prima

sua saia

sua blusa

seu vestido

sua fibra
engomada

Pra mode casar as filhas em fila,
minha tia,
as velhas as feias as tristes as acuadas
as acusadas
as repetidas

fez sorte da clara de ovo dentro do copo d’água
fez sorte da espiga de milho no travesseiro
fez sorte da faca no tronco da bananeira

Tenho chegado bacharel de Lisboa,
meu tio,
tenho rondado de noite esta Casa
não tenho lido as notícias
tenho forçado a porta da Senzala
tenho saltado uns corpos saltado uns olhos saltado uns trincos

não tenho sido bem-vindo
minha crina,
não sou percebido pela
parede caiada a prataria polida
não sou recebido
com um copo suado de sede.



amigos

os dentes de Chet
a orelha de Vincent
a lucidez de Frederico
o sono dos controladores de voo




suíte do pescador

alarmes cantam canários da terra
canários cantam alarmes da terra
o vento é vento nas rendas das plumas
o vento é vento nas rendas das plumas

bateram as hélices em debandada
– hoje mas tão perto do
meu pescoço que aberto
período de caça –
os pássaros giram em pescaria

vai vendo
aqui de cima
com quantos manicômios se enche um barril
quantos eu entorno profundo das redes
prejuízo de morrer-me lançado em vida

(se vale viver aqui quanto custa
o alto custo de vida um aluguel
imóvel suspenso nas ondas usina
no dorso de um monstro marinho?)

porque a morte a nado
imaginada a alma
de um louco na popa
como deve ser
geológica

ceifa meus cabelos longos
liberdade que se tinha ela ceifa
de não desculpá-la por sua iminência
de não ocultá-la com seus assuntos

aqui de cima – elas disseram – descruze estes braços!
minhocas na sua cabeça – as sereias – presa à linha do anzol
o vento é vento nas rendas das plumas
o vento       vento           rendas                  plumas
é                nas                 das
    vento é      vento                rendas das vento oo p ´
        o                é                   nas                              plumas                                              p
            vento  plumas          plum       nas                  rendas                                   n    as
                                    vento nas                   das      plu                  é é             ven
                     l      umas o        é                     red                  s      nas
                                                                                    eto       pluma                          puas                                                                             entoé                          pl          a         d o d                                                                               on   é  t  oe   o        pn d      as        dem   
            ´                                                                       vl umas          ren       o ren     das
                                                                                        é é     o é           ve             nn t             
                                                                                                plu a  plu  mas o                n ´                                              v v l     v                 pl enda p  l         m        as              
                           sr   e     as     p   lu                         ao    e          nto é   p               l
                           v      e                        to é    v      n  t               ´      da       s        v           p          
s                             o                    é        p             o       vv      u mas      o v      n  t           s



manual de agricultura familiar

coloque um pouco de terra num pote de maionese, e deixe descansar. cheire a terra quando acontecerem sentimentos de distância. acostuma terra. ela tem borbulhas como no mar as ondas rebentadas. quando a terra vira planta você vai crescer dentro de apartamento não vai ter feito nada da vida. vai olhar o crachá da empresa vinte anos de mais-valia. o sol é decisivo. folhas abertas mãos pedintes. o valor de um poema se mede pelo tempo observando fixamente um objeto em tabula rasa. coloque um pouco de terra num pote de maionese e abafa. o tamanho da tristeza tende a ser proporcional à duração do sono. ligue os neurônios da fome ao telefone da morte em domicílio. gostaria de ajudar crianças com câncer doando uma moedinha? senhor gostaria de um câncer para criancinhas com uma moeda? gostaria de doar senhor para uma moeda com câncer? gostaria de ajudar os câncer pras crianças com moeda? Abroche. você já não vinha tendo solução pra muita coisa procurou um especialista. “achei que era depressão era diabetes!” com um tubo enfiando na traqueia. coloque um pouco de terra num pote de maionese e rasga uma claraboia de fora a fora. alguém algum dia testemunha a estiagem em um metro cúbico de terra. trabalha a terra. você muda na sessão de jardinagem do hipermercado. é sagrado o coro de quem trabalha o próprio trigo.



*    *    *


Carioca de 88, morador do Engenho de Dentro, professor de filosofia, Medeiros Claudio reclama que a cidade é cara, cria problema com vizinhos, escreve uma tese sobre política na época do Império, tem medo de morrer, tem amigos como o Testa, o Vini, os Thiagos, o Nelson, o Michel, o João, ​anda de bicicleta, vai à praia, prefere cozinhar.




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