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cinco doses de prosa por edhson brandão

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dose I

ele sempre acorda as quatro e trinta num pulo pra olhar o relógio e ter certeza de que ainda tem mais uma hora e meia de sono, então vira-se, o corpo despenca sobre o lençol sujo de porra e em mais alguns segundos volta a dormir tendo aqueles sonhos esdrúxulos de mulheres mordendo os bicos dos seios, umas das outras, usando saias de plásticos enquanto seu pau duro reage e molha a cueca barata e cinza comprada junto a mais duas em lojas de departamentos, mas dorme e seus membros marcam o colchão num repouso de Hércules.
ele sempre acorda pesado as seis horas com saliva seca no canto da boca, tontura incomum que o faz bambear e vez e outra bate aquele dedo pequenino do pé no canto da cômoda fazendo surtir um caralho no início da matina mas é sorte dele que o próximo vizinho mora a uns trinta metros porque poucos querem morar naquela tapera de tijolo e umidade ilhado no mar de pedra. sempre de pau duro que vai esfregando a glande com destreza e tem um prazer sonolento até chegar na pia do banheiro onde tem uma torneira rosqueada duramente e que dá esforço para abrir porque a borracha tá estragada e ele nem sequer sabe como se troca. então lava o rosto na água gelada, tira a roupa e caga pelado vendo as veias que saltam daqueles pés secos e de unhas trincadas. olha sua bosta com admiração e na coragem do dia dá descarga e decide tomar banho. se esfrega com o resto de sabonete grudado a outro resto de sabonete junto à bucha cheia de pelos das costas, do peito e do saco mas ele não tem nojo porque é tudo daquele corpo que queima na escaldante água que escapa do céu. bate uma e se enrola na toalha desbotada, lembrança de um “ex” que nem sequer sabe de sua parada.
ele sempre se troca correndo e pega o pacote de bolachas pra ir comendo na rua porque sai em cima da hora e o dia não espera. aliás, a vida nunca espera. nem o ônibus que ele que pega porque vive. e quem vive, atrasa.


dose II

Contei três ratos na noite passada, ele dizia com aquele riso de escárnio. Você dormia e eu os vi ainda com a vela acesa. Não sei o que tanto me importa, eu devia dizer, eu devia responder. Mas sou tão tarda que me deixo ouvir estas histórias cínicas de um velho sujo. Os dedo grossos e as unhas em beiradas pretas circundavam o copo com café. Segunda-feira apareceu só um e parecia ser filhote. Eu cortava o pão sovado, dividia o pedaço em dois e separava um pra ele. Deveríamos ter um gato, Amaranta. Ele tem uns olhos de quem veleja. E estas rugas dos sóis batidos. Eu não quero merda de gato nenhum, enfim disse, é mais um pra comer nessa droga! Então ele se calou e tomou o café num gole. Rejeitou meu pão. Depois, vivemos. Pela noite, eu acendo o toco de vela. Então de manhã, ele me vem. Contei dois ratos na noite passada.


dose III

A viuvinha é uma gorda safada na boca do povão. E quem disse que ela liga? Sai pela tarde toda emperiquitada, leva cigarro na bolsa e pinta o cabelo todo dia quinze. Depois que o marido morreu ela segurou o luto só uma semana e depois, dizem, virou cadeira de bar e recebe visitinhas em casa nas quintas e sextas de noite. Seu nome roda na boca do povo e é homenagens dos moleques que ficam doidos para comê-la e tomar um velho-barreiro qualquer dia desses. As amigas do varal lhe viraram a cara só porque se descobriu. Agora se reúnem com as bacias nas ancas debaixo da entrada do bloco B para esconjurar a mulher que trocou as saias até o pé por calças jeans. E bebe com a aposentadoria do marido, berram esbaforidas. Mas nos segredos das madrugadas elas sonham com os homens que visitam a viuvinha e se molham todas enganando os maridos que acham ser os bam-bam-bans daquele prazer mas só trepam com elas de lado. A viuvinha enterrou as surras e as cuspidas na cara bem como a mentira da boa esposa que ora. E as outras, ah, as outras; estas se enganam.

dose IV

Tinha rasgado as calças e aparecido de vestido, boneca e batom na escola. A meninada ficou louca com o assunto e a professora ficou cega. Ele foi pro banheiro, na merenda, e foi fila feita de moleque querendo passar a mão na sua bunda e ver se usava calcinha. O filho do Miltão saiu gritando que era azul, era azul! O auê no banheiro trouxe o inspetor velho de testa marcada que com cinta na mão arrebentava estalos nos azulejos dispersando toda a trupe. O inspetor olhou a figura, jogou-lhe umas calças e camisetas e mandou que arrancasse as chitas. O menino obedeceu. Depois de pronto, só pôde perguntar:
― Tu vai levá minha buneca?
E o velho teve o menino roubado com os olhos em maré. Tomou a boneca encardida e careca e saiu dando recado:
― Essa’qui é feia. Na saída lhe dou’ma melhó.
Teve sorriso e ninguém viu.

dose V

Um filho da puta aquele lazarento. O garoto teve o maior trabalho de fazer quinhentos paus em duas semanas e o viado do Marleyson não lhe vendeu a porra do 38. Correu gira com duas dúzia de sacos de pó entre a Vila Curumim e a Varginha, dormiu na belina velha perto do beco da onça e despistou três viaturas com o cu na mão. Falou com o Dundi que iriam a mão livre mesmo. O Dundi levaria uma faca e já era.
Pegariam o velho tiozinho da ecosport no primeiro farol depois da saída do shopping. Dez e pouco, a saída que dava para a alameda vitória era escura e o mais trouxa se fodia. Valeu, falou.


*    *    *



Edhson Brandãosoube de si quando parou e anotou. Dizem que ensina à criança a melodia da prosa e é procurado pelos livros que não escreveu. Tem seu nome em Letra de mão e mais algumas historietas escolares (Giostri, 2016) e em Semeadura(2016). Mesmo assim não há vestígios de sua existência. 

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