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5 poemas de Alexandre Filordi

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Ilustração: Milan Vopalenski


Pele

Eu sinto esse górdio
na garganta,
que não é um nó.
É uma gangrena surda.
Há aqui uma picareta a me cavoucar
em arroubos.

Eu sinto essa pele
que não me habita,
possessão milenar falando no meu corpo.
Não é minha! Não é minha!

Tenho aqui um passado
Inaudito que me espera,
espezinhando o que não pude saber
e o que ainda não hei de saber.
Possessão estranha que não pedi,
avesso mal ungido de uma comunhão
sem discípulo.

Eu sinto o verbo gaguejando
na sua impossível conjugação,
pois estou parindo a ação
que nenhum homem ousou dizer de sua presteza.

E já não me interessa a compreensão alheia,
vão à merda todos,
pois a garganta é minha
e nem a forca furtará o fôlego
daquilo que somente eu
sei sentir.


Outrar

Quem está aí?
Murmura a voz atonal
às custas do desvelo de sua timidez.

Procuro a possibilidade. É você?
Se for,
Saiba que já descansei
a minha pele no cabide,
e cosi o avesso do lume
quando ele se fragilizava.
Agora a pouco,
fui raiz de um não-quero-nem-saber.
Mas isso foi antes d’eu combater na guerra
com uma única munição.
E ainda estive, sem querer,
na dobra de um lençol barato.
Quase por fim,
tentei ser a última gota de tinta
no meio do testamento.
Também tive calafrio
ao me ver em um dedo alongado
de tanto massagear dor.

Mas é você, possibilidade,
que está aí?
É você?

Eu queria me desnomear
para deixar de ser sensível.

Como faço?


Apequenar-me

Que acalento soberbo poderia
desembalsamar a etapa andante
dos pés arredios
e na alucinada invernada
converter o rocio de pelos
em ardentes e inextinguível fogo?

Com que montante cúbico haveria,
com a sua saliva,
de afogar a minha mágoa depois de
desaquartelar o jogo incansável
de nossas línguas?

O que resta de qualquer dúvida,
esgotados os átrios argumentativos,
não é um mórbido silêncio
a despejar um outro se
na imberbe certeza?

E como vazar os olhos,
se não for por tanta beleza,
e como se refazer após o
ímpeto de um gozo lancinante,
e de que forma os espasmos
incontidos entre os vãos
dos dedos inconjugáveis
poderão evitar o silêncio
daquilo que mal se precipitou?

Acanho-me diante da grandeza
do meio de suas pernas,
e tudo mais
                        – ali –
me apequena.


Órgãos

Señior, Señior. Por favor!
Não comprarias um dos meus rins?
Tenho ainda uma das córneas em perfeito estado.
Não te apetecerias?
Poderia dividir o meu fígado.
Nunca ingeri bebida alcoólica.
Também não precisas?
Vejo que fumas, Señior.
Posso abater no preço final de um pulmão.
Não te és útil?
E deste meu sangue.
Não gostarias de servir-te de um litro?


Señior, Señior. Por favor!
Preciso de fundos para quitar
um amor sem fundo.
Não te vás, Señior!
Vai começar a relampear
na consumação de minha carne.
Vai haver rebelião nesses meus
órgãos, até a disfunção vital.
Señior! Señior!
Não queres ver
o caos que é o amor?


El mudo

Yo que no hablo español, 
yo que no escribo español,
yo que tengo que abrir lasorejas
como um cielo que se abre a los
colores del arco Iris después de La tempestad
para intentar comprender español.

Yo, tan distante de leer el mundo em español, 
leí tu piel en español, 
comulgué mi lengua en español con tu lengua,
y para allá de todo,
también conjugué mi cuerpo irregular 
en tu cuerpo regular, 
en todas las formas de presente, 
sin condicionales o pretéritos imperfectos,
siendo yo y tu apenas un lenguaje perfecto,
seguido por el silencio cómplice y voraz
hasta La distancia mínima de nuestra
extranjeridad. 



 

Alexandre Filordi  é autor dos livros de poesia: A caixa de desserventia (Ed. Leitura Crítica) e  Bocoió (Ed.Patuá). Mantem o blog de poesia: bocoio.wordpress.com 

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