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Ilustração: Milan Vopalenski |
Pele
Eu sinto esse górdio
na garganta,
que não é um nó.
É uma gangrena surda.
Há aqui uma picareta a me cavoucar
em arroubos.
Eu sinto essa pele
que não me habita,
possessão milenar falando no meu corpo.
Não é minha! Não é minha!
Tenho aqui um passado
Inaudito que me espera,
espezinhando o que não pude saber
e o que ainda não hei de saber.
Possessão estranha que não pedi,
avesso mal ungido de uma comunhão
sem discípulo.
Eu sinto o verbo gaguejando
na sua impossível conjugação,
pois estou parindo a ação
que nenhum homem ousou dizer de sua presteza.
E já não me interessa a compreensão alheia,
vão à merda todos,
pois a garganta é minha
e nem a forca furtará o fôlego
daquilo que somente eu
sei sentir.
Outrar
Quem está aí?
Murmura a voz atonal
às custas do desvelo de sua timidez.
Procuro a possibilidade. É você?
Se for,
Saiba que já descansei
a minha pele no cabide,
e cosi o avesso do lume
quando ele se fragilizava.
Agora a pouco,
fui raiz de um não-quero-nem-saber.
Mas isso foi antes d’eu combater na guerra
com uma única munição.
E ainda estive, sem querer,
na dobra de um lençol barato.
Quase por fim,
tentei ser a última gota de tinta
no meio do testamento.
Também tive calafrio
ao me ver em um dedo alongado
de tanto massagear dor.
Mas é você, possibilidade,
que está aí?
É você?
Eu queria me desnomear
para deixar de ser sensível.
Como faço?
Apequenar-me
Que acalento soberbo poderia
desembalsamar a etapa andante
dos pés arredios
e na alucinada invernada
converter o rocio de pelos
em ardentes e inextinguível fogo?
Com que montante cúbico haveria,
com a sua saliva,
de afogar a minha mágoa depois de
desaquartelar o jogo incansável
de nossas línguas?
O que resta de qualquer dúvida,
esgotados os átrios argumentativos,
não é um mórbido silêncio
a despejar um outro se
na imberbe certeza?
E como vazar os olhos,
se não for por tanta beleza,
e como se refazer após o
ímpeto de um gozo lancinante,
e de que forma os espasmos
incontidos entre os vãos
dos dedos inconjugáveis
poderão evitar o silêncio
daquilo que mal se precipitou?
Acanho-me diante da grandeza
do meio de suas pernas,
e tudo mais
– ali –
me apequena.
Órgãos
Señior, Señior. Por favor!
Não comprarias um dos meus rins?
Tenho ainda uma das córneas em perfeito estado.
Não te apetecerias?
Poderia dividir o meu fígado.
Nunca ingeri bebida alcoólica.
Também não precisas?
Vejo que fumas, Señior.
Posso abater no preço final de um pulmão.
Não te és útil?
E deste meu sangue.
Não gostarias de servir-te de um litro?
Não comprarias um dos meus rins?
Tenho ainda uma das córneas em perfeito estado.
Não te apetecerias?
Poderia dividir o meu fígado.
Nunca ingeri bebida alcoólica.
Também não precisas?
Vejo que fumas, Señior.
Posso abater no preço final de um pulmão.
Não te és útil?
E deste meu sangue.
Não gostarias de servir-te de um litro?
Señior, Señior. Por favor!
Preciso de fundos para quitar
um amor sem fundo.
Não te vás, Señior!
Vai começar a relampear
na consumação de minha carne.
Vai haver rebelião nesses meus
órgãos, até a disfunção vital.
Señior! Señior!
Não queres ver
o caos que é o amor?
Preciso de fundos para quitar
um amor sem fundo.
Não te vás, Señior!
Vai começar a relampear
na consumação de minha carne.
Vai haver rebelião nesses meus
órgãos, até a disfunção vital.
Señior! Señior!
Não queres ver
o caos que é o amor?
El mudo
Yo que no hablo español,
yo que no escribo español,
yo que tengo que abrir lasorejas
como um cielo que se abre a los
colores del arco Iris después de La tempestad
para intentar comprender español.
Yo, tan distante de leer el mundo em español,
leí tu piel en español,
y para allá de todo,
también conjugué mi cuerpo irregular
en tu cuerpo regular,
en todas las formas de presente,
sin condicionales o pretéritos imperfectos,
siendo yo y tu apenas un lenguaje perfecto,
seguido por el silencio cómplice y voraz
hasta La distancia mínima de nuestra
extranjeridad.
Alexandre Filordi é autor dos livros de poesia: A caixa de desserventia (Ed. Leitura Crítica) e Bocoió (Ed.Patuá). Mantem o blog de poesia: bocoio.wordpress.com