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a escrita na mão frenética de Mc Santiago

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Anatol Knotek - Nothing Lasts Forever




Phantastica poesia


infusão, vácuos digestivos
a garganta do mundo
à lupa da poesia micro crepuscular
a luz focada à lente convexa
há uma fonte inesgotável
de favos vocábulos que querem ser células
células vivas
-só me apetece subir às árvores
retalhos da epiderme da rã
somos camadas de cebola
do estado inalterado das coisas
o osso dentro da carne imaculado
dos músculos contraídos da morte
a distopia reservada ao perpétuo
mergulhar-me no vulto do ser
na surdina incómoda grosseira
obsceno ou domado
na disposição de tudo ao contrário
os pássaros parece que andam à toa
abanando a cabeça em pequenas passadas
dando voltas
saber exactamente o dia e a hora
porque nós já não nascemos em casa
das janelas da mescalina
a linha marginal da utopia - estou vivo
ou felicidade artificial - vivo
da vigilância do banal
Meca para uma mente vedada
da contracção da oração - em ti vivo
como se espera por ninguém
na hora extraordinária do além
visualmente procuro pela palavra-pássaro
não sei se é ela a fachada das casas
ou a pedra que falta na calçada
mas nós já não nascemos em casa
nem as fachadas nem as calçadas
nos pertencem
só a palavra encarnada da indústria
incontrolada dos sentidos
esse mundo-pássaro honesto
o mundo em que se vive
o mundo em que se sente
das linhas marsupiais
elevarem-se os beirais
dos sonhos vulgares erguerem-se
novos voos
para atravessar arco-íris de cinza
porque a abstracção não carece de cor
a escrita lanterna mágica´
projectarem-se nós fantasmagóricos
da transparência a partícula íntima da beleza
do éden desaparecido - porque partimos
não nascemos em casa nem morremos dentro dela
somos um todo pedaço de tudo
como os olhos da velha que me fixam
não sei se em mim o final da rua
se em mim o final da sua, vida
esses olhos perturbam-me
desse mistério que não tem mistério
os olhos penetram-me de concreto
será que pensa no que penso?
- só me apetece subir às árvores
...


pedra dura e opaca que sangra


ousar opor-se à tirania
monte abaixo, monte acima
tudo fora, singular, espantoso
azulejo vidrado cosmológico
do seu habitat natural
incluir-se na paisagem
somos união universo
rochedo escavado da apropriação inventiva
dos opostos polares cerebrais
a essência redutora glaciar
factos brutos, estátuas, torres, pedestais
todos os ângulos salientes das junções bizarras
da coloração histérica das ondas magnéticas
protestando contra a palavra transparência
rubi, safira, prismas facetados de ideias mágicas
jaspes suspensas como folhas de ensaio
do regresso fundador do passado
aceder por via do prazer - um prazer melacólico
aos pigmentos da natureza dos brutos
dias que já foram
alvorecer do ocaso como lótus espreguiçado
caminhar sobre pedras de fogo no arrasto do sonho
no trânsito dessa outra terra
que nos habita dentro da cabeça
a alma reconduzida à íris do céu
para dar vida àqueles que já partiram
esse céu de lápis-lazúli perdurado no olhar
de quem o carrega do fundo da dor
ousar opor-se à tirania
rasgando essas cortinas de vidrados opalinos
que um eu em absoluto se decompõe de lutos

do ramo que nutre a noite
cada pétala que fica é uma pedra
que respira o tributo
do que deixamos em bruto

a morte certa


palavras migratórias


deixo-te estas palavras na linha óssea
que é tudo o que te posso deixar
olvidar-se do pêndulo a despedida
porque nós nunca tivemos tempo
parto como fonte fome, guerra
a escrita na mão frenética, a mão que treme
na gravitação da ventura do coração
bombeando desta terra a esta terra
de todas as âncoras sem lamentos
deixo um alvéolo um vocábulo aberto
da esfera armilar o equador que lembra
que há horizontes que nos matam
sempre quisemos viver demais
a lenta lágrima que da fonte partiu
que nos transformou em onda de fastio
que vai e vem sem descanso
de noite vagueias sobre meu corpo de areia
essas lágrimas que desenham caminhos sem passos
que deslizam sem rumo pelos meus braços
dunas fantasmas, estátuas de carcaças secas
e querer deitar-me sem a mortalha que me cobre
querer que tudo o que me consumiu por dentro
me consuma agora na maresia
longe das coisas gastas do dia-a-dia
no silêncio de todas as palavras que não te conheci
as crinas selvagens da fantasia irão primeiro
depois os ossos, muito depois os ossos
que de noite vagueias sobre meu corpo de areia
essas lágrimas que desenham caminhos de teia
que deslizam sem rumo pelos meus ossos
dunas de silêncio onde nunca fomos um só
que te posso contemplar no céu sepulcro?
das portas flamejantes do inferno
em teus olhos a escuridão como promessa
porque deixamos um mundo inquietos
da roda livre do tempo inviolado
da fundição de todas as quedas
lutando até ao último sopro mas sem guelras
sermos nós gaivotas migratórias
um homem livre sem terra
viajando sem memórias
numa mente operária do mais nada
porque não te recordas dos nossos sonhos
deixo-te estas palavras na linha óssea


runas brancas


tamborilando garras que me conhecem o corpo
como as garrafas que são lançadas
que o mar traz de volta
a minha cabeça presa num vácuo de existência
porque me querem prender o pensamento
e que o corpo apodreça
sobre as andas do destino
alegóricas batalhas de esperança
porque digo que nada me derruba
mas nada me deixa sair da luta
da exibição da fúria
dos gritos ancestrais das grutas
as pálpebras da escuridão
que nem descanso dão
e os laços brutais dos moluscos
agarrados à alma já conchas mortas
contra a rebentação tudo se despenhou
há um fio de prumo que me corta o punho
abandono o sangue na areia
que aos poucos se cora de vermelha
à vacuidade de tudo
do engodo das promessas gustativas da vida
nunca provei senão fantasia
como a aura dos cisnes
dos espinhos das plumas brancas
a espuma que me sai da boca
com a intenção de borrar o céu
de nuvens nascidas da tormenta
da profunda maldição de estar viva
o sangue é o caminho
que trilha o cansaço do ser
ser de carne e poema, balanço e recomeço
pelas guelrras arcaicas do animal
pedra sobre pedra a falésia
longe dos gestos a solidão de passagem
olho êxodo as pontes das asas
dos cursos das mágoas que se afundam
no lugar de derrame o silêncio
com o vagar arfante de um sonho de verão
deixo a lua e os espelhos para os que espreitam
deixo apenas uma lente estreita
num pulsar que nunca dorme, nunca se cansa
acompanho o arrasto do afastamento dos barcos
na ventilação marítima da saudade que fica
a luz atravessa as paredes de lágrimas
que compõem o mar das memórias
runas deixadas em poemas
tecidos que não tiveram outro destino
senão essa Atlântida desaparecida
dentro do meu peito
mas atravessam-me dias noites encalhados
revirando-me em ondas de revolta
partido aos bocados pela praia
porque não posso mudar o que não conheci
fui atirada das alturas sem destino
como quando nos fecham num frasco
e se esquecem de nós num aquário
num pedaço de vidro sem paredes nem portas
sinto a alma dentro deste corpo garrafa
imóvel, inerte...que em nada se converte
que nem sequer mais envelhece
condenada ao olhar vidrado da contemplação
que o mar insiste em trazer de volta


monastherium


acordarmos de pé
como um enorme fóssil vivo
as paredes estão já caiadas
os jardins repletos de flores exóticas
mas acordarmos como se nada disso
estivesse concluído
a tortura é amante da paz
ambas fazem amor nos lençóis do tédio
por acidente escorraçar do espírito o mundo
desse inconsciente colectivo
do ocultismo de tê-lo debaixo da pele
as fronteiras são apenas o impossível
e é do impossível que há que tecê-las
como serpentes vigorosas enroladas
elefantes de patas no ar a pastar
relutante, a vida tem de continuar
da corpulência de um pássaro a levitar
a poucos metros do chão
mas a vida tem de continuar
combateremos as impaciências da sombra
equitadores de algo móvel
cavalos de arco e flecha
através das planícies irregulares da consciência
para lá do sol posto
das pias secas dos deuses
dos muitos templos que o homem
ainda desconhece
em frente a galope ao seu encontro
da reparação berram demónios sem corpo
das regiões fronteiriças do sonho
ninguém será poupado
da ardósia o giz duro talhando destinos
um inverno do qual nunca saímos
as nossas andas enterram-nos
volante par de pernas para escavar
penas coladas ao dorso
uma mente remota lançando papagaios
como papiros saturados de mitos
volante um dragão habitando o centro da terra
do vidro moído uma atmosfera caindo
cautelosamente, o céu nocturno
chega-nos mais íntimo
desse corpo concha fogo corrente
dobrando-se depois folha de papel símbolo
alguém se esqueceu de descalçar os estribos
pela cintura equador
agarrar-se às crinas da dor
prolongar-se o voo
ainda que
as paredes já caiadas
e os jardins floridos de pequenos nadas
                                            mas exóticos




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Mc Santiago: Escritora, Poeta, Mc e Artista. Vem do coração do Alentejo e vive em Lisboa, Portugal. youtube channel: SANTIAGOoriginal www.myspace.com/santihh Soundcloud: Mc Santiago Vimeo: Mc Santiago Facebook: Mc Santiago Mc Santiago

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