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3 poemas de Gabriel Cortilho

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PAPEL ESPESSO

a retina captura o instante
cada pedaço esquecido
na microfísica do Mistério:
o vôo das varejeiras
no prato sujo de ontem, 
a cadência das pombas
no chão dos homens-relógio;
eis o barulho do mundo:
as vozes de dentro
não cessam
a disritmia do samba
é coragem num sorriso
a melancolia do tango 
desvela a dor que pulsa,
e o corpo, no fundo,
é um papel espesso
cartão de visita transitório

quero contemplar toda flor
que insiste em nascer no pântano         



SE

se pudesse, enfim, alçar vôo
desfacelariam as linhas tênues
o soco do tempo não seria assim

tão implacável

a vida, largo fio de cobre no osso,
impõe diariamente sua concretude
os homens-relógios seguem a rotina
beijam e sentem o sabor da mesmice
sustentam o amor por suas casas

de plástico

ah, se pudesse, enfim, alçar voo
o desejo não seria vizinho da culpa
e nenhum afeto seria moeda de troca
nossos corpos
aboliriam o subjuntivo
e a longa espera, inócua,
pelo som dos violões

sem corda  



OS CORPOS E A METRÓPOLE

unidos pelo vento da noite
ao lado dos ancestrais esquecidos, 
questiono-me, em silêncio:
há fixidez no mundo?
por que tantas civilizações
emergem em um corpo?
ah, nossas mãos
sobrepostas
fagulhas no feno
cinza
e lá, nas tantas janelas
vejo microcosmos, 
estágios de espírito
mas nenhuma sinalização
para a alma
enquanto isso...
vagalumes pontuam
o manto de todas as noites
uns dormem, 
afinal é a morte
de cada dia
outros se enrolam
em minúcias, cigarros,
ligam as televisões,
bebem o leite de ontem
mas a realidade segue,
toda mistério
e eu, no alto da jangada
numa cabeça intempestiva
questiono-me, em silêncio
se não somos, afinal,
as plantas

no concreto



Nascido em 1992 no interior de São Paulo, em Araraquara, Gabriel Cortilhoé estudante do último ano e cursa história, na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP-Franca. Escorpiano dionisíaco, cidadão cosmopolita e alma inquieta no mar do desassossego, admira a natureza calma de Caeiro, o mundo transitório de Cecília e possui como referência a poesia de Manoel de Barros e Fernando Pessoa. Possui quatro livretos de poesia e vê a escrita como um procedimento terapêutico que é, por vezes, cirúrgico. Gosta de descobrir novos poemas e instrumentos musicais, pois acredita que - como dizia Gullar – a arte existe porque a vida não basta.


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