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MARCELO MOURÃO LANÇA MÁQUINA MUNDI [06/10, RJ] + 7 POEMAS

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CAVERNA PÓS-MODERNA


Agora, imagina, Glauco, os homens em moradas muito belas
— numa época vista e tida como, de todas, a mais “moderna” —
bem diferentes de como as nossas velhas residências eram.
Imagina esses homens, no interior desses seus lindos lares,
soltos, mas cercados por muros e grades por todos os lados,
saindo só quando podem, devem ou não estão acuados.

Imagina-os todos prisioneiros muito mais em si mesmos
do que nessa cela que eles costumam chamar de abrigo ou casa.
Veja-os calados, com olhos vidrados em elétricas telas,
cativos em suas mentes, sem correntes nas mãos e nas pernas.
Eles pouco conversam, se olham, se ouvem ou até se percebem:
não há mais tempo nem mesmo para aquilo que lhes interessa.

Nessas mesmas telas, só sombras, sobras, fragmentos da vida,
e não a gigante e real dimensão que é estar vivo nela.
Pedaços de gente, de sonhos, de planos, de vozes, de ideias
pululam e mesclam-se; como fantasmas errantes se alternam
à procura de atenção, numa fila de espera, e vociferam,
nessa bacanal — ou baile de máscaras — onde tudo é festa.

Imagina, Glauco,esses homens com essas telas a sós falando,
por todos os dias de todos os meses de todos os anos,
procurando por ver a si mesmos e também os outros homens,
mas as janelas elétricas, que nada escondem, nem respondem,
ligadas, são luzes que não iluminam o que há defronte a elas,
desligadas, são espelhos mostrando uma cara cheia de fomes.



O OLHO DE FERRO


para Michel Foucault e George Orwell


Feito um farol, porém desprovido de lume e soturno,
segue o olho da máquina sem piscar nem um segundo.
O olho me olha e olha tudo mais à sua volta
sempre com um olhar de pergunta, nunca de resposta.

Feito um deus, que tudo escuta, tudo sabe e tudo vê,
segue o olho mecânico a nos enquadrar numa TV.
Esse mesmo olho oco, que escaneia corpos e rostos,
jamais irá hackear o que há na alma do seu oposto.

Feito um cão de guarda, ou um juiz furioso e sem dó,
segue o olho de ferro a vigiar tudo ao seu redor,
numa fome de fera que tudo decifra e devora.

E, assim, olhos espreitam, surgem, dão botes feito cobras.
E, assim, mil olhos vão se clonando e, quanto mais, melhor.
E assim caminha a humanidade: acompanhada e só.

  

BLINDADOS
para Ruy Proença

Quem se lembra ainda daqueles tempos idos
em que havia poucos muros, grades e redes?
As paredes até podiam ter ouvidos,
mas os ouvidos não tinham tantas paredes.

  

DESCONSTRUIÇÃO

Quando os pais e os avós
vão aos poucos morrendo
é como um prédio antigo
perdendo os pavimentos.
Mas não é ele que cai:
sou eu
desmoronando
por dentro.



 NÓS EM NÓS
  
Meus mortos me visitam.
E vivem na minha vida
e falam na minha fala,
caminham meu caminho,
ofertam sorrisos e
abrem seus braços vivos.


Meus mortos me habitam.
Dormem e comem comigo,
contam histórias antigas,
memórias da nossa família.
Mundo outro, tudo tão simples,
tempo bom em que foram felizes.


Mortos são os que
nunca criaram raízes.
  


MOTO CONTÍNUO

para Heráclito de Éfeso

A vida às vezes faz
às vezes não faz sentido.
Serão mesmo desiguais
as águas de um rio?



 SÓ O QUE IMPORTA
               
para Mariléa Ribeiro Vieira


Eu não quero ter um milhão de flores multicoloridas
num jardim de delícias repleto de luz, cor e som.
Quero simplesmente uma, a que abre a fechadura da vida,
trazendo a primavera de volta para as minhas mãos.

Eu não quero ter um milhão de amigos à minha volta
sorrindo e prometendo suas amizades eternas.
Quero apenas um, aquele que possa abrir suas portas
e que destrua muros, porões escuros e janelas. 

Eu não quero um milhão de tios, primos, pais e irmãos
ligados a mim pelo sangue aguado e enfraquecido. 
Quero somente os que querem estar comigo e estão
unidos pelo aço que há nos laços das nossas relações.

Eu não quero um milhão de moedas ou outras riquezas
que trazem tantos sorrisos, mas também o que não é bom.
Quero somente as sementes do sentimento mais puro
que move o moinho das horas não perdidas em vão.


 *    *    *


Livro critica as inquietações do mundo moderno

O poeta e professor de literatura Marcelo Mourão lançará no dia 6 de outubro seu novo livro de poemas “Máquina Mundi”. Publicado pela Oficina Editores, a obra pretende mostrar que o mundo moderno é cheio de inquietações, angústias e dilemas, onde se pensa muito e se sente pouco.

Inspirado na reflexão do pensador polonês Zygmunt Bauman, de que nada é feito para durar, o autor diz que seus poemas falam da máquina do mundo e do mundo da máquina. “Cito também outras máquinas que também têm seus problemas na atualidade: a máquina do sentimento, a do eu (ego freudiano), a máquina das interrogações (filosofia) e, claro, a máquina da poesia”.

Os poemas do livro “Máquina mundi’ abordam os limites da pós-modernidade e da virtualidade, onde a velocidade do deletar é mais rápida do que da compreensão. O intuito é fazer com que as pessoas pensem mais sobre a realidade contemporânea. “Desejo ‘provocar’ no leitor perplexidade, estranhamento, espantos, encantamento, doçura e também bom-humor”.





*    *    *



Marcelo Mourãoé professor graduado em Letras (Língua portuguesa e Literatura) e pós-graduado em Literaturas de língua portuguesa. É também poeta, escritor, crítico literário e produtor cultural. Desde 2007, participa do movimento poético carioca e de várias antologias e eventos literários dentro e fora da Internet. Tem dois livros solo publicados: “O diário do camaleão”, seu primeiro de poemas, e “Temas em literaturas de língua portuguesa: os diferentes olhares”, que foi sua estreia como crítico literário. Em 2016, lança seu terceiro livro (segundo de poemas) chamado “Máquina mundi”.



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