Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

Moça de olhos tão azuis quanto New Order (por paulo guicheney)

$
0
0


Não há livro que possa ser lido, nem pornografia que possa ser admirada, nem discos, partituras, e todos os pianos são tristes como a pele, tristes como os teus olhos que teimam em me golpear abaixo da cintura, não há nada nos Trópicos, não há cocaína, não há anfetamina, não há vitamina de abacate com mel, não há moça bonita, não há corpo para esfregar e esperar pela vinda de um gênio que desenhe um futuro cheio de plantas e esperança, não há mesa, não há cadeiras de couro preto, não há luminária que ilumine o teu corpo perfeito como Bach, não há quadros na parede, não há sonho pendurado no banheiro, não há coisa tua, os teus grampos, teus sapatos perdidos no meu carro, teus vestidos, o vestido azul do primeiro encontro, aquele que dançava com os teus ombros, aquele que abalou sozinho para dentro do bar enquanto eu gritava, “Alice, Alice, olhe, eu consigo andar de bicicleta sem as mãos”, essas mãos que pagam as minhas contas, que assassinam Chopin e Rachmaninov, e também Scriabin, sempre Scriabin, con luminosità, essas mãos que agora outra mulher admira, outra e outra, sempre à noite, sempre quando não posso enxergar, sempre quando meu corpo decide, por conta própria e risco, onde afogar-se, essas mãos que deslizam um pesadelo sutil nos seios de outra mulher, outra e outra, sempre à noite quando não enxergo e as pessoas dizem “Carlos, Carlos, esqueceste de mim?”, sempre quando outros seios e à noite, sempre quando não há, não há noite, não há mãos, não há mulher, não há Scriabin, não há Joy Division na vitrola, nem Brahms ou Wagner, nem cachorrinhos fofos no sofá, não há sofá, não há Kertész, Kertész bedeutet jardineiro, eine schöne Frau hat mir erklärt, não há reds di jiddis?, não há Kertész, não há a felicidade em ler Orides, não há schöne Frau, e ela disse que poderia fugir comigo, ela disse, e compramos as passagens, sim, e no táxi eu disse schade ich kann nicht, e ela me olhou assustada, du Arschloch!, não há taxi, não há rua, mas caminho sozinho por Goyastadt e penso que deveria estar em Wien agora casado com essa moça de olhos tão azuis quanto New Order, não há New Order, e ela escreveu, ela disse, Ein Wort - du weißt: eine Leiche”, não há Celan. Mas veja:


Não há Alice.

***



Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548