A PERVERSA MIGRAÇÃO DAS BALEIAS AZUIS
Alberto Lins Caldas surge ainda mais afiado em seu novo livro A perversa migração das baleias azuis. O mínimo que posso dizer de seu conteúdo é que a vasta gama de casos e personagens que os textos deste livro traz surpreende pela diversidade. A perversa migração das baleias azuisé acima de tudo um livro plural, em que todos os elementos surgem em uma cartografia de um lugar mítico, dionisíaco, vital.
O autor mesmo descreve o poema como “experiência da diferença do movimento e do enfrentamento – sua substância é a ficção, a alteridade em guerrilha, o corpo dis-posto contra o mundo.” Dessa forma, o leitor que se habituou à leitura dos poemas de Alberto Lins Caldas não se surpreende ao encontrar sua identidade presente e mais elaborada neste novo livro. Estou me referindo ao seu uso irreverente da linguagem, abolindo marcas textuais, diminuindo os diacríticos até o mínimo e essencial para evitar ambigüidades, que ao mesmo tempo se assemelha com o texting dos celulares, também mescla palavras em neologismos. É uma receita própria, aperfeiçoada pela repetição e que não se descuida em momento algum com sua coesão ao longo dos textos. O resultado dessa coesão é o tom declamatório – eu prefiro chamar de “poemas para serem lidos em voz alta” – e altivo que o autor imprime a cada texto e que valoriza a narrativa, outra característica dos poemas de Alberto Lins Caldas.
A princípio pode parecer estranho que o autor esvazie seu texto de metáforas e apresente cenas, descrições, personagens, detalhes sabores e manias em cada um dos poemas. Impressão que logo se desfaz, pois fica claro que acima de tudo há a valorização da linguagem e o diálogo constante com o leitor, que é levado a cada nova página a encontrar lugares, situações e personagens de uma mitologia renovada pela escrita de Alberto Lins Caldas. O conjunto dos textos de A perversa migração das baleias azuiselimina o autor lírico como sendo aquele que busca na sua experiência subjetiva o material para a sua poesia. Este livro não é um périplo do ego, do subjetivo. Este é um livro que liberta o universo interior que não é o autor, ou seus sofrimentos, ou suas impressões. O livro se assemelha a um relato de uma viagem e o bom viajante encontra ali todos os aspectos que tornam fascinante uma jornada, assim como os costumes, os pratos, os odores, os personagens ilustres, os animais, os perigos e o folclore da região inexplorada.
Apenas para listar alguns dos nomes, temos Jonas, Proteu, Sancho, Ulisses, Mishima, Dickens, Perugino, Inah, Lázaro, personagens que tangenciam o mito, não para revisitá-lo, mas como alegorias da força criativa do autor. Nunca um ego poético, por isso a narrativa se impõe e a diversidade é uma das mais marcantes características de A perversa migração das baleias azuis.
Outro aspecto que particularmente me agradou muito foi encontrar uma voz de revolta perpassando todos os poemas, algo como um chamamento para a perda das ilusões cotidianas. Os poemas “jonas”, “ratos”, “russos”, “chacais” talvez tenham mais forte o traço de um poema como experiência de luta, uma arma, assim como o próprio autor define, na orelha de seu livro. Versos como: “?há o mar jonas // ou só a baleia / a baleia sem o mar / jonas”, do poema “jonas”, e “ficamos paralisados / com a grandeza do projeto / e a pequenez de nossas almas”, do poema “ratos” trazem um forte conteúdo distópico, que a meu ver acrescenta muito ao livro.
A perversa migração das baleias azuis, de Alberto Lins Caldas, traz um autor com plena consciência de seus recursos criativos e de como subverter a linguagem sem corromper o seu conteúdo. Certamente uma leitura com potencial de agradar os mais exigentes leitores de poesia e provavelmente de romances também.
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Roberto Dutra Jr. é um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras, tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e revistas literárias no Rio de Janeiro e tem um seríssimo flerte com a música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui.
Alberto Lins Caldas é pernambucano de Gravatá, onde nasceu em 1957. Publicou Canto Fundamental e Cacimbas. Colabora em jornais do Recife (Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio e Diário da Manhã) com artigos de critica literária e poesia. Fundador do grupo informal Poetas da Rua do Imperador. Cursou Historia e Arqueologia na UFPE. Ensaísta proustiano e poeta. Autor dos contos de Babel (Revan, 2001), do romance Senhor Krauze (Revan, 2009) e dos livros de poemas Minos (Ibis Libris, 2011) e De corpo presente (Ibis Libris, 2013). É mallarmago desde 2012.
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