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Ilustração: Edoardo/deviantART |
Ladainha
Não secarás as raízes
do teu sopro
no abismo da noite púrpura;
não seguirás o fantasma
que atravessa os trilhos;
não cantarás aos muros de arrimo
tua fantasia de pássaro.
Escarpado é o chão
dos teus sapatos;
escarpado é o azul
rabiscado de estrelas;
escarpada é a rima
que lateja a alegoria
da palavra.
Sentença
faz muito tempo que eu venho
faz muito tempo que eu venho
nos currais deste comício,
dando mingau de farinha
pra mesma dor que me alinha
ao lamaçal do hospício.
e quem me cansa as canelas
é que me rouba a cadeira,
eu sou quem pula a traseira
e ainda paga a passagem,
eu sou um número ímpar
só pra sobrar na contagem.
por outro lado, em meu corpo,
há uma parte que insiste,
feito um caju que apodrece
mas a castanha resiste,
eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.
e quem me cansa as canelas
é que me rouba a cadeira,
eu sou quem pula a traseira
e ainda paga a passagem,
eu sou um número ímpar
só pra sobrar na contagem.
por outro lado, em meu corpo,
há uma parte que insiste,
feito um caju que apodrece
mas a castanha resiste,
eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.
Do Arbítrio
Das estrias que a mão
esculpe
só o que brilha
sobrevive.
Nômade a manhã
despe o sol
à flor
da carne,
múltipla,
à vertigem da linguagem.
Não há comportas
nem caminhos
não há saaras
nem vienas
em tudo há rinhas
e arestas
de flores
e esquifes.
Em tudo entalha-se
ao revés
coisas que se mostram
e não se dão,
que só no verso vêem-se,
no peeling pelo avesso.
(Delitos que em seu exílio
transbordam de rubro
a lira,
resenham através do júbilo,
rasuram através da ira.)
Sopra revanche de ritmos
no íntimo viés do não dito,
sopra o arbítrio dos dias.
Das estrias que a mão
esculpe
só o que brilha
sobrevive.
Nômade a manhã
despe o sol
à flor
da carne,
múltipla,
à vertigem da linguagem.
Não há comportas
nem caminhos
não há saaras
nem vienas
em tudo há rinhas
e arestas
de flores
e esquifes.
Em tudo entalha-se
ao revés
coisas que se mostram
e não se dão,
que só no verso vêem-se,
no peeling pelo avesso.
(Delitos que em seu exílio
transbordam de rubro
a lira,
resenham através do júbilo,
rasuram através da ira.)
Sopra revanche de ritmos
no íntimo viés do não dito,
sopra o arbítrio dos dias.
Do Raio
Nem o acre sabor das uvas
nos aplaca. Nem a chuva
nos olhos incendidos
devolve o que é vivido.
O magma que nos evapora
tange o rascunho das horas
sob um raio de suspense.
Nem o que é nosso nos pertence.
Desamanhecer
Agora,
na cidade da tua ausência
outro dia
desamanhece. E súplice
um grito escorre na paisagem.
Todos os lugares
são feitos do teu antes.
Da janela,
a noite chega
com as mãos vazias. E
tudo ao fim se esvai
em volta
como um tecido de ventos.
Só meu coração insiste
em erigir teu nome...
para além do esquecimento.
Salgado Maranhão é um poeta e compositor brasileiro, nascido José Salgado Santos em Caxias, Maranhão, em 1953. Estudou Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde vive desde 1973. Compositor-letrista, tem músicas gravadas por vários artistas como Amelinha, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Rosa Marya Colin, Vital Farias e Zizi Possi. A partir de 1976 colaborou em várias publicações com artigos e poemas, como a revista "Música do Planeta Terra", a convite de Júlio Barroso, então editor da revista, na qual também colaboravam Sergio Natureza, Caetano Veloso, Ronaldo Bastos, Jorge Mautner e Jorge Salomão, entre outros. Em 1978 foi um dos organizadores, com Sergio Natureza e Moacyr Félix,do livro "Ebulição da escrivatura -Treze poetas impossíveis" (Ed. Civilização Brasileira, 1978, RJ), coletânea que reuniu diversos poetas, como Sergio Natureza (assinando Sérgio Varela), Antônio Carlos Miguel (sob o pseudônimo de Antônio Caos), Éle Semog, Mário Atayde, Tetê Catalão, entre outros.Publicou poemas e artigos na revista "Encontro com a Civilização Brasileira" (1978). Nos anos seguintes, publicou "Aboio" (cordel/ Ed. Corisco -Teresina - 1984), "Punhos da serpente" (poesia/ Ed. Achiamé, RJ, 1989), "Palávora" (poesia - Ed. Sette Letras, RJ, 1995), "O beijo da fera" (poesia - Ed. Sette Letras, RJ, 1996) e "Mural de ventos" (poesia - Ed. José Olympio, RJ, 1998).Em 1998, ganhou o prêmio "Ribeiro Couto", da União Brasileira dos Escritores (UBE), com o livro "O beijo da fera". No ano seguinte, com o livro "Mural de ventos", foi o vencedor do "Prêmio Jabuti", da Câmara Brasileira do Livro, dividido com Haroldo de Campos e Geraldo Mello Mourão.Em 2007 sua poesia foi estudada na Universidade de Brown, em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos. Tem poemas traduzidos para o inglês, holandês, francês, alemão e espanhol. Em 2011 recebeu o prêmio "Machado de Assis de Poesia", da Academia Brasileira de Letras