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O Cafofo do boêmio Perly - José Maria Correa

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Perly no dia das diretas já em 1984 acompanhado da Lucia Camargo, da atriz Dina Sfat , da Yvete Fruet , da Angel Correia e da Eleonora Fruet


Foi neste mesmo espaço virtual que escrevi sobre o meu grande personagem - o inesquecível boêmio Ernesto Perly, famoso por comandar na década de 80 as saborosas e animadas tertúlias noturnas da cafeteria do clássico Hotel Colonial, atualmente integrando a rede Deville na Rua Comendador Araújo e que foi o reduto de boa parte da intelectualidade curitibana.

Mesmo sendo apaixonado pela noite, o velho ainda se permitia dar um certo expediente vespertino no seu amplo apartamento próximo da Praça Espanha, na Rua Presidente Taunay, local por ele denominado de “cafofo”, uma gíria de gente da noite para moradia ou refúgio.

Nesse território sagrado, como em um clube elitista, somente eram admitidos os amigos mais chegados, verdadeiro privilégio para raros escolhidos.

Uma vez por semana havia ainda uma roda de jogo de poker muito seleta organizada por ele e freqüentada por abastados figurões da cidade e que pudessem bancar o elevado cacife.

Advogados renomados, desembargadores, médicos ilustres, parlamentares e grandes empresários disputavam uma vaga na cobiçada roda de jogo onde rolavam confidências dos bastidores da autofágica sociedade curitibana.

O Perly, verdadeiro fidalgo, esmerava-se na arte de receber mandando buscar picanhas argentinas da renomada Churrascaria La Cabãna do fiel amigo Barbosa, a melhor da época, localizada na Praça vizinha.

A La Cabanã também era frequentada por artistas e pensadores, entre eles o genial publicitário e gourmet Sergio Mercer, autointitulado o Barão de Tibagy.

Mercer para encanto dos amigos e convivas criara um bandoneón imaginário onde executava com inigualável talento as melhores peças do maestro Astór Piazzola, com direito as expressões faciais dramáticas características do tango e todos os movimentos e olhares para deslumbre dos espectadores.

Infelizmente partiu desta vida prematuramente, muito antes do combinado, mas até hoje é lembrado com saudades por todos que o conheceram.

Perly também gostava de música e talvez tenha sido o único amigo a formar um dueto com o bandeonista, o instrumento do velhote era sui generis, um par de colheres de sopa bastante desgastadas pelo tempo, das quais ele conseguia extrair um apurado som de címbalos.




Nem mesmo o extraordinário poeta Vinicius de Moraes em uma de suas vindas â Curitiba recebeu permissão para acompanhar o concerto com seu pandeiro, ao contrário, insistindo recebeu um esporro do Perly- “Meu filho você está fora do andamento vá tomar o seu uísque e não atrapalhe os músicos.”

Na mesa de jogo do cafofo tudo era requintado, os baralhos eram importados e da melhor marca, sempre novos e lacrados e o pano verde de veludo impecável, assim como a prataria, os cristais da Bohemia e os vinhos franceses e italianos das melhores safras.

Havia ainda a opção ainda de scotch legítimo e sempre selado, Chivas, Dimple ou Ballantines, Black ou Blue, envelhecidos doze ou dezoito anos.

Além disso Perly era extremamente organizado e muito metódico, nunca dormia antes das quatro horas da madrugada e jamais despertava sem que o relógio estivesse marcando dezesseis horas.

-  Se alguém estranhava o hábito noturno ouvia como resposta - “Meu filho, pela manhã só tem índio na rua, pode procurar que não vai achar ninguém interessante “

Muito elegante o Perly tinha um traje para cada ocasião e na intimidade em casa vestia um robe de chambre de seda chinesa com monograma no colarinho, presente de seu amigo e frequentador da boate Vogue, o Presidente Juscelino Kubistchek.

Perly tinha mesa de pista e era requisitado pelos frequentadores da casa noturna mais chic do Brasil de propriedade do Barão austríaco Max Von Stuckart, como também era filho de austríaco e nome da principal avenida de Viena, nosso boêmio era alvo de especial consideração do empresário noturno que jamais lhe cobrou uma conta.

 A Vogue marcou época no Rio e infelizmente acabou destruída em um incêndio terrível que deixou cinco vítimas, episódio dramático imortalizado em uma crônica do jornalista e compositor Antonio Maria, outro frequentador que assim como o nosso personagem deu sorte de não aparecer na noite fatídica de 16 de Agosto de 1955.

O mulato Antonio Maria embora obeso e desajeitado fisicamente sabia todos os truques para conquistar uma mulher, como fez com a então modelo e socialite Danuza Leão, a musa da época que abandonou o rico empresário nascido na Bessarábia Samuel Wainer, dono do jornal getulista Última Hora, com que foi casada e tinha filhos.

Danuza largou tudo para ir viver de amor com o compositor de Ninguém me Ama, música imortalizada por Nora Ney como verdadeiro hino da fossa e que recebeu o primeiro disco de ouro do Brasil-, “ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor,”

Antonio Maria era também um frasista encantador e quando dava carona em seu Cadillac para uma mulher saindo da Vogue perguntava sutilmente – “e então, o que faço quando amanhecer, te telefono ou te cutuco?”



Aliás o Perly que passava horas à fio em conversas com o bom Maria acusava o amigo de apropriação de uma de suas frases mais bem humoradas e geniais, a que segundo afirmava escrevera na porta de seu quarto:- “se eu estiver dormindo, deixe-me dormir, - se eu estiver morto, acorde-me”

Depois surgiram variações sobre o tema, como –“só me acorde se for para me dar dinheiro “

Nunca mais a noite carioca veria uma casa como aquela e o próprio Perly mencionou uma vez que esse foi um dos desgostos que o levou a abandonar o Rio de Janeiro.

Os outros foram o fechamento dos cassinos pelo Presidente Marechal Dutra e a transferência da capital do país para Brasília, bem motivos não faltavam a ele para deixar a cidade já não tão maravilhosa.

Mas voltando a Curitiba e ao nosso cafofo, era somente depois de um prolongado ritual para a degustação do chá inglês da tarde servido no jogo de porcelana da Companhia das Índias e acompanhado de torradas que o Perly religava o telefone e passava a atender as muitas ligações, antes desse horário o aparelho permanecia sempre fora da tomada, tudo para não conturbar o ambiente sereno e sofisticado de música clássica, felizmente o celular ainda não havia sido inventado para atormentar tanto sossego.

Muitos amigos o procuravam em casa para fazer confidências e buscar conselhos, normalmente inseguros em casos amorosos recém iniciados e na maioria das vezes para relatar desilusões, abandonos, casamentos desfeitos e traições sofridas.

Perly com o credenciamento da vetusta idade e da larga experiência tinha um talento todo especial para receber os desabafos, era um ouvinte atencioso, respeitava o tempo do interlocutor e como um psicanalista intuitivo e Lacaniano, de quando em quando lançava interjeições ou breves comentários sem prejuízo e interrupção da narrativa.

Uma simples palavra NÃO (abreviatura da frase –não diga) repetida com ênfase ora significava espanto, ora indignação e até mesmo admiração, assentimento ou reprovação, o que valia sempre era a forma, a entonação e a expressão facial, e essa manifestação era esperada com ansiedade pelos consulentes que deveriam interpretar o sentido como em uma carta de baralho Tarô.

A reação máxima de surpresa com uma revelação mais candente, essa sim era forte e gritada:- “A La Puta!” e somente era utilizada em ocasiões muito especiais, escândalos, incestos, falências, tentativas de suicídio, vícios secretos e orgias descobertas pelo parceiro traído.

Perly agia como um oráculo onde o consulente deveria interpretar a mensagem como verdade, previsão ou como metáfora, o que fazia com que muitos amigos e amigas retornassem para novas consultas mais esclarecedoras.




O velho que dizia ter sido na juventude quase um sósia do famoso ator James Cagney parecia-se na senectude com outro ícone hollywoodiano Martin Landau que viveu com a mesma idade do Perly e com interpretação notável o personagem Bela Lugosi, o mestre do terror, isto no extraordinário filme biográfico ED WOOD dirigido por TIM BURTON onde o ancião Martin, contracenando com Johnny Depp, por esse desempenho ganhou um Oscar.

Não era nenhum exagero e as fotografias comprovam a semelhança total.

E era com esse phisyque de role e investido de toda autoridade e sabedoria adquirida na Zona Sul e nas noites e madrugadas de Copacabana e da boca do luxo da Praia do Leme e da Praça do Lido, reduto das boates comandadas por seu grande amigo Alfredão, que o velhote recebia em sua casa muitos amigos em busca de consolo espiritual e afetivo.

Alfredo Sá, o Alfredão que fora maitre da boite Fred´s de Carlos Machado o sucedera como rei da noite carioca e Perly era seu amigo mais próximo e uma espécie de consultor em novos empreendimentos.

Artistas como Jardel Filho e Paulo Gracindo eram inseparáveis, sempre na companhia das beldades pretendentes ao estrelato que sonhavam em aparecer na capa da revista O Cruzeiro, da Fatos e Fotos, estrelar um filme ou uma novela da TV Tupi e entre elas reinava, já famosa a magnífica Ilka Soares então casada com o amigo Anselmo Duarte.

O publicitário Jamil Sege percebendo a veia artística de Perly certa vez o escalou para um comercial de xarope revigorante, no enredo meio pastelão, Perly representava um velhinho dormindo em um banco da Praça Espanha quando uma bola chutada por uma criança o acordava, imediatamente ele tirava um vidro do xarope miraculoso do bolso e tomava um gole cujo efeito súbito o levava a fazer várias embaixadas com a bola antes de devolve-la para o menino com um passe de três dedos.

Perly tinha sido jogador amador do América o alvirrubro, campeão carioca, e ainda dominava bem a bola apesar dos mais de oitenta anos.

O comercial ficou um bom tempo na televisão para diversão do turco Jamil e o Perly quebrou seus votos de jamais trabalhar, embolsando um bom cachê.

Voltando aos consulentes no cafofo do Perly em Curitiba,- se alguém confessava que estava sendo corneado, o Perly para amenizar a dor e criar empatia contava um caso semelhante supostamente vivido por ele no Rio de Janeiro – “Meu filho” dizia,- “Veja esses cabelos brancos, eram negros como asas de graúna, mas quando soube que minha noiva estava tendo um caso com outro, fui dormir e acordei surpreendido com os cabelos assim, brancos, cor de neve”



Quando o amante abandonado perguntava se deveria correr atrás da dama que o deixara, o Perly garantia com uma frase dos habitués da noite:

“Fique firme meu filho e resista que ela voltará de rodillas (joelhos em espanhol).”

E se alguém bem mais jovem e já exausto no fim da madrugada perguntava ao Perly como ele se mantinha com tanta disposição e jovialidade, a resposta era sempre a mesma:

- “Meu filho, nunca casei e nunca trabalhei”    

Aliás, isso não era bem verdade, pois havia sido funcionário do Consulado Americano do antigo estado da Guanabara onde teve como seu auxiliar o jovem pretendente a ator Anselmo Duarte, por volta de 1945, na época da segunda guerra mundial, depois foi representante comercial e pioneiro vendedor de automóveis em Curitiba.

Tornou-se assessor especial e particular do Governador Moysés Lupion para quem vendeu um automóvel Ford, seu Moysés como era conhecido encantou-se com a personalidade de Perly e o convidou a morar no magnífico palácio do Batel, onde tornou-se uma espécie de Secretário sem pasta.

Contava o velhote que não foram poucas as vezes que deu conselhos a Secretários de Estado, Deputados e até ao amigo e pintor impressionista Miguel Bakun que passou um tempo pintando a cúpula do Palácio sob os olhos críticos de nosso personagem.


No caso de Bakun, o Van Gogh paranaense, os conselhos não deram muito resultado pois vítima de uma forte depressão o pintor acabou por suicidar-se em 1963, como no dizer de Camus, inconformado com o calabouço do próprio sentido de viver e dominado pela irresistível atração para o nada.
É notável que apesar de toda a liberdade, do prestígio e das amizades que desfrutava, Perly ao contrário de tantos palacianos, jamais pediu algo para si, um emprego, uma sinecura, uma gleba de terra, um cartório ou uma concessão, benefícios que fizeram muitas fortunas de gerações de tradicionais famílias paranaenses que prosperaram à sombra do poder e mesmo assim apreciam posar de ícones da moralidade e dos bons costumes nas colunas sociais.

O velhote que gostava de ler os clássicos e às vezes para explicar sua forma despojada de viver citava Balzac-  Meu filho - “a boêmia não tem nada e vive de tudo

Há quem diga até que os conselhos do Perly não tinham lá grande originalidade mas eram ditados com tanta convicção e graça que foram capazes de alterar o rumo da vida de muitos que os ouviram.

Quando indagado sobre as qualidades das mulheres envolvidas com os amigos, se detectava algum problema logo ditava a receita:

- “Meu filho nunca se envolva com mulher com mais problemas ou menos dinheiro que você.”   


Não somente os homens mas também muitas mulheres procuravam o oráculo, claro quase todas mariposas da noite, raparigas vítimas da vida, moças que haviam sido expulsas de casa quando solteiras e grávidas, outras abandonadas por maridos infiéis ou por gigolôs exploradores.

O Perly tinha paciência em ouvi-las desde que fossem um pouco bonitas ou guardassem ainda algum traço da juventude.

Como não memorizava os nomes, a todas dava uma apelido que condizia com a história de cada uma, no melhor estilo literário de Nelson Rodrigues, havia a Suburbana, a Inocente a Insaciável, a Mercenária, a Costureira, a Elegante, a Manicure, a Deprimida e a Professora entre tantas e tantas outras freqüentadoras das madrugadas do grande salão de café e chá do Hotel Colonial.

Uma das pupilas preferidas do Perly tinha recebido o apelido de Natureza Morta ou Cinema Mudo, pois apesar da beleza incomum estava sempre calada, triste e desanimada com um sorriso de Mona Lisa.

E era no ambiente mágico da cafeteria que de sua mesa cativa onde também sentava praça ,Almir Feijó, outro grande talento e mestre na escrita, que o genial escritor e publicitário Jamil Snege com sarcasmo e um sorriso de esfinge tudo observava coletando matéria prima para seus contos e livros inspirados na vida real.

Na obra sarcástica “Como eu se fiz por mim mesmo” o talentoso Jamil descreveu com um humor inigualável as muitas histórias do Hotel da Rua Comendador Araújo tendo o fiel amigo Perly como personagem central.

Muitas moças meio perdidas, que hoje seriam chamadas de periguetes, vendo o Perly chegar em seu imponente Chevrolet Impala amarelo rabo de peixe, carro raro de colecionador imaginavam estar diante de uma grande oportunidade e de um milionário vindo das terras cariocas, afinal o velho sabia impressionar e se vestia com esmero e elegância, cliente que fora de grandes alfaiates nos anos dourados.

Cuidava dos detalhes usando calças de veludo, camisas gola rolê, relógios finos e sapatos importados e um lenço de seda na lapela do paletó ou no pescoço como echarpe.

Ledo engano das aventureiras, o máximo que conseguiam depois de uma noite de muita luta e atividade, quase sempre em vão para despertar a libido do analista, eram alguns conselhos, e de quebra a tarefa de levar para casa os produtos vencidos da geladeira, sobras das noites de jogo, pois desafortunadamente para o Perly o Viagra ainda não havia sido descoberto.

Os frentistas do posto de gasolina da Rua Carlos de Carvalho sempre comentavam ao ver pela manhã bem cedo as moças de vestido de noite descerem desoladas a ladeira da  Rua Presidente Taunay como aparições em meio a névoa e a geada.

-“Lá se vão mais algumas vítimas do Seu Perly “

Se alguém comentava no Coffe Shop o velho respondia com humor:

- “Pelo pouco trabalho que dou para as meninas ainda sou generoso, sempre levam além das sobras do jogo algum troquinho para a condução e para os alfinetes.”

E arrematava vaidoso, - “eu o Anselmo Duarte e o Jorge Dória nunca demos dinheiro para garotas de programa e mesmo assim elas brigavam para sair conosco”

Como se ele tivesse sido também um galã de cinema e teatro, à exemplo dos dois companheiros inseparáveis do antigo Cassino da Urca e dos shows luxuosos de Carlos Machado onde faziam grande sucesso.

Auto estima foi algo que nunca faltou ao nosso personagem.

Os notívagos adoravam ouvir as histórias que envolviam artistas da época de ouro do Rio sempre contadas com muitos detalhes burlescos pelo Perly que descrevia trajes, cenários e costumes como ninguém o fazia.

Muitas dessas histórias foram confirmadas a mim por outro grande boêmio curitibano que fez história no Rio de Janeiro, Odilon Rauen que foi prestigiado e invejado Comodoro do Clube dos Marimbás, agremiação fundada em 1932 por Roberto Marinho e em cujo bar projetado por Lucio Costa em Copacabana se reunia a elite carioca.

Odilon era companheiro de viagens internacionais do lendário piloto o Comandante Edu da Panair, o fundador do Clube dos Cafajestes em Copacabana, e que faleceu em 1950 em um dos maiores desastres aéreos da época, a queda da super aeronave Constellation em Porto Alegre

Havia em cada uma dessas narrativas trechos inacreditáveis mas sobre os quais o velho nunca admitiu questionamentos

“Meu filho, eu o Anselmo Duarte morávamos no Edifício número 200 da Rua Barata Ribeiro, aquele que deu nome a uma peça de teatro, tinha uma oficina de lambretas que funcionava no primeiro andar, não no térreo e os mecânicos testavam as máquinas de escape aberto no corredor “

Essas histórias fantásticas e burlescas não escaparam ao tino do grande intelectual da imprensa e cronista Aramis Millarch que as imortalizou em seu acervo digital com uma gravação de uma conversa de mais de seis horas até hoje disponível na Internet e no sítio do saudoso Aramys onde o Perly e Anselmo Duarte relataram episódios memoráveis dos anos dourados na Cidade Maravilhosa.

Naquela tarde noite durante mais de três horas de entrevista, fiz o papel de provocador para que boêmio exaltado soltasse suas interjeições tão apreciadas e seu mais famoso apodo para quem o desafiava:

“Não seja imbecil meu filho” 
                       
Perly tinha suas restrições e não gostava de receber visitas aos sábados, dia que reservava para cuidar do Chevrolet Impala, se alguém aparecesse de improviso era recebido, porém antes tomava um esporro homérico por ter alterado a rotina do velhote. 

Dizia o seu primeiro amigo o jovem dândi Luis Gavazonni que se alguém procurava o Perly no sábado sabendo que ia ser esculhambado era porque o caso era muito grave e emergencial, ou como se diz no popular, era porque estava emocionalmente fodido mesmo.

O carisma do Perly era cativante, recebia convites de senhoras da sociedade conservadora para rodadas de bridge e de tranca ou para ir à missa, assim como era solicitado no outro extremo por damas da noite para aniversários e para apadrinhar batizados e casamentos, coisa que jamais aceitou.

“-Casamento não meu filho, isso pode contagiar e pegar como doença dizia “

Transitava com a mesma naturalidade do Grande Monde ao Bas-Fond.

Sempre que algum amigo ia fazer uma viagem de automóvel convidava o Perly como companhia, sabendo que iria ouvir histórias saborosas da boêmia carioca até o destino.

O fato é que o tempo foi passando implacavelmente e nem mesmo o Perly resistiu, foi perdendo o viço e o entusiasmo que lhe permitiam passar a noite dançando até de madrugada em companhia de belas modelos na feérica boate Pappete de propriedade do temido Delegado Dorval Simões.

Com mais de oitenta anos passou a sair menos e as décadas que passou fumando o indefectível cigarro Carlton, vício da sua geração, cobravam o seu preço na saúde.

Com dificuldade para caminhar e respirar passou a sofrer de enfisema pulmonar sendo acometido de desmaios frequentes e por várias vezes tive de socorre-lo e leva-lo a hospitais.

O Perly com a vasta experiência de vida me alertava assustado:

- “Não me deixe só meu filho, nesses hospitais os enfermeiros costumam dar o chá da meia noite para os pacientes e matam os idosos para não ter que aturá-los ou para agenciar enterros para funerárias.”


Claro que eu achava um exagero mas anos depois tudo ficou comprovado quando estouraram muitos escândalos em todo o país e denúncias de assassinatos de velhinhos por funcionários de hospitais públicos e privados, tudo para favorecer funerárias que ofereciam comissões por “clientes” conquistados ou até mesmo para desocupar leitos e comercializá-los para quem pagasse mais.

Mundo cão, o do terrível comércio da morte.


Infelizmente como era previsto e natural que ocorresse pela idade avançada, quase noventa anos, o Perly foi enfraquecendo, até que em um dia de muita tristeza fui avisado de sua morte pelo generoso empresário Jorge Yared que o teve como hóspede e o cercou de cuidados até o final de seus dias.

Muitos amigos da confraria da cafeteria do Colonial compareceram ao velório, assim como personalidades, políticos, damas, habitués e profissionais da noite curitibana.

O ator Jorge Dória ao telefonar do Rio de Janeiro para um dos irmãos do Perly estava em prantos e o Anselmo Duarte, diretor que ganhou a Palma de Ouro com o maravilhoso filme O Pagador de Promessas fez questão de vir visitar o túmulo do seu grande amigo.

No restaurante Fiorentina no Rio de Janeiro, o preferido dos artistas na praia do Leme, todos os garçons, cozinheiros e empregados lamentaram a ausência definitiva do freqüentador de mais de trinta anos que chegava todas as noites pontualmente às 21 horas e ficava na mesma mesa reservada, não até o último freguês, mas até o sol nascer radiante iluminando a cidade maravilhosa, isto antes de voltar a residir em Curitiba.

Conta a lenda e a tradição que foi o Perly o inventor do romântico hábito carioca entre os notívagos de aplaudir o nascer e o pôr do sol.

“-Meu filho dizia ele, nunca cansei de admirar aquela enorme bola de fogo surgindo na praia de dentro do mar, como pode existir gente que não acredita em Deus?

“A La Puta! que espetáculo” ...


p.s. as entrevistas antológicas de Perly podem ser acessadas no site Memória Digital do jornalista 




Jose Maria Correia é advogado e delegado de Policia aposentado. Foi Vereador, Prefeito e Secretário de Estado. Escreve contos, crônicas e criminosamente poesias. Colabora em Blogs e Jornais esporadicamente. Tem uma família linda cria animais abandonados e é motociclista muito veterano.

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