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Solilóquio da Ruindade - Manoel Herzog

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Ilustração: Hanne Warloe


Não sei mais fazer poemas
Não encontro novos temas
As mulheres que me beijam
Trazem na boca postemas.
Não sei mais fazer poemas
Eu estou vazio, vazio,
Dentro de mim faz um frio
Que nem faz na Groenlândia
Que não se termina em “io”
E que, portanto, não rima.
Não sei mais fazer poemas
Não sei mais encontrar rimas
E um idiota me diz
“Não se preocupe com rimas.”
Mas eu não sei fazer poemas sem rimas, porra.

Um cantor, ídolo meu
Não quis mais ser arquiteto
Tornou-se um grande poeta.
Um poeta, ídolo meu
Adoeceu, não foi arquiteto
Tornou-se um grande poeta,
Ídolo meu, por sinal.
Eu acho que vou deixar
De tentar ser um poeta
Pra me tornar arquiteto.
Só quero rimas e exatidão
E, além do mais, adoro ser do contra.

Acabei agora um caso de amor
Porque eu machuco a quem eu amo
Porque eu gosto de ser assim
Bem idiota e machão
Fiz curso de especialização
Com o Jece Valadão
Eu afago com uma mão
E a outra dá um bofetão
E depois de toda essa explosão,
Eu caio, e dá vontade de me matar
Eu fico extasiado e vejo sentido em tudo
E é como um trecho
Da música de Beethoven.

Deus, Deus, tem pena de mim
Porque é que eu fui ser assim
Um sujeito tão ruim
Que em tudo que é bom põe fim?
E as rimas, as malditas rimas
Voltam a importunar
Porque eu meti na cabeça
Que estou fazendo um poema
E que os poemas têm rimas.
Mas, vá lá, ao menos a métrica
Já deixei mais do que de lado
Nem está tão ruim assim
Só quem está ruim sou eu
Eu estou e sou ruim
Só eu posso ser assim
Ruim dos ruins dos ruins
Rei de todos os cupins
Que comem assim, assim,
Um caso de amor sem fim
E, no que não tem fim, põe fim.
Jesus, tem pena de mim,
Que eu faço os outros sofrer.



Manoel Herzog é autor dos livros O evangelista (Romance - Patuá, 2015), A comédia de Alissia Bloom (Poesia - Patuá, 2014) e Companhia Brasileira de Alquimia (Romance - Patuá, 2013). Manoel Herzog nasceu em Santos a 24 de setembro de 1964. Em 1987, estreou com a publicação do livro de poemas Brincadeira Surrealista. Cursou Direito na Faculdade Católica de Santos. Foi finalista, com o romance Amazônia, do Prêmio Sesc 2009. Coordena oficinas de literatura em Santos, na Estação da Cidadania, pelo projeto Ponto de Cultura. Em janeiro de 2012 publicou o romance Os Bichos, pela Editora Realejo. O romance Companhia Brasileira de Alquimia foi premiado pelo FACULT. Também escreve quinzenalmente uma crônica literária na coluna Cais das Letras, no site Cinezen: http://cinezencultural.com.br/site/
O romance Companhia Brasileira de Alquimia foi semifinalista do Prêmio Portugal Telecom 2014.

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