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Ilustração: Marijn/deviantART |
nenhum dos meus 23 pares de cromossomos assexuais é doente, obrigado.
a coisa que mais me dá medo ultimamente
é encarar a página branca pensando que faz tempo
que não escrevo como se a gente nascesse assim
com um gene no meio dos cromossomos 5 e 15 que nos
influenciasse a partir do nada para sentar na cadeira
e pensar é hoje que escrevo mais cinco poemas
para aquele projeto psicótico que um dia irá revolucionar
as formas como as pessoas encaram a minha obra
que ainda nem começou – e é por isso que a expressão
“no prelo” me dá um nojo incrível; o prelo parece quase o limbo
no qual você pode cair e não sair mais, (talvez eu esteja
no prelo da escritura da minha vida, sendo que o prelo é na verdade o momento da impressão; será que posso imprimir um livro cuja escritura ainda não
foi feita e assim eu posso dizer que ele será escrito
enquanto escrita-processo naquelas páginas que estão em branco? vai ver dá mais certo, assim o prelo, ou o limbo no qual eu propus me
colocar, seria um espaço eternamente dialógico;
afinal biografia continua contendo grafia, ou seja, escrita,
ou seja, eu vou continuar performando histórias para patos de
pelúcia no meio do caminho encararem como quiserem qualquer
dança que faço enquanto tiro a última peça de roupa em mais uma seção fotográfica)
é encarar a página branca pensando que faz tempo
que não escrevo como se a gente nascesse assim
com um gene no meio dos cromossomos 5 e 15 que nos
influenciasse a partir do nada para sentar na cadeira
e pensar é hoje que escrevo mais cinco poemas
para aquele projeto psicótico que um dia irá revolucionar
as formas como as pessoas encaram a minha obra
que ainda nem começou – e é por isso que a expressão
“no prelo” me dá um nojo incrível; o prelo parece quase o limbo
no qual você pode cair e não sair mais, (talvez eu esteja
no prelo da escritura da minha vida, sendo que o prelo é na verdade o momento da impressão; será que posso imprimir um livro cuja escritura ainda não
foi feita e assim eu posso dizer que ele será escrito
enquanto escrita-processo naquelas páginas que estão em branco? vai ver dá mais certo, assim o prelo, ou o limbo no qual eu propus me
colocar, seria um espaço eternamente dialógico;
afinal biografia continua contendo grafia, ou seja, escrita,
ou seja, eu vou continuar performando histórias para patos de
pelúcia no meio do caminho encararem como quiserem qualquer
dança que faço enquanto tiro a última peça de roupa em mais uma seção fotográfica)
mas a questão é:
a minha vontade inicial nesse processo escritura acabou
se perdendo no meio do banho; será que escrevo poemas
melhor embaixo d’água para conversas que nunca teria com
gente que nem conheço? Nas minhas conversas mais recentes
no tinder tenho notado que quebro certos protocolos pela simples falta de vontade de conhecer pessoas novas:
se perdendo no meio do banho; será que escrevo poemas
melhor embaixo d’água para conversas que nunca teria com
gente que nem conheço? Nas minhas conversas mais recentes
no tinder tenho notado que quebro certos protocolos pela simples falta de vontade de conhecer pessoas novas:
é muito mais fácil falar que não gosto do sol do que ter que dizer que tenho uma certa quantidade de anos e que no fundo eu não gosto de sexo.
ah, sim, chegamos a questão-ponto-chave-desse-processo-que-construí
a organização mundial da saúde considera como doença (ou seja,
obrigatoriamente você precisaria ser curado de alguma maneira
de uma condição que já nasce nos teus cromossomos talvez entre o 16 e 1; só dizendo)
a falta de libido de um indivíduo; nesse caso, a falta de vontade de performar
o ato devidamente sexual com outro indivíduo é considero doença, distúrbio,
des
obrigatoriamente você precisaria ser curado de alguma maneira
de uma condição que já nasce nos teus cromossomos talvez entre o 16 e 1; só dizendo)
a falta de libido de um indivíduo; nesse caso, a falta de vontade de performar
o ato devidamente sexual com outro indivíduo é considero doença, distúrbio,
des
vio.
o problema da linguagem nasce junto c
om a necessidade de presentificar tudo aquilo em que o ho
mem coloca sua mão: mão é mão; cadeira é cadeira; razão é r
azão; sexo é sexo.
o problema de nascer gay num mundo sexual-
-izado
nasce junto com a necessidade de se tabelar até o minuto básico
em que você transborda por um espectro
as correntes mais recentes de estudo de sexualidade dizem que a-
tração sexual e romântica não estão necessariamente unidas
ou seja
entre o binarismo que a sociedade ocidental se funda desde seus princípios aristotélicos
já se entende que amar alguém não necessariamente envolve o devido contato
genital entre cuspidas escondidas embaixo de uma escadaria
de um sexo desprotegido às dez da noite encurralados num
desejo de transgressão que nasce junto
com a colocação do nome próprio
etiquetado ao lado daquilo que se considera
erroneamente como o desejo
ou seja
aquela tal libido mencionada logo acima
om a necessidade de presentificar tudo aquilo em que o ho
mem coloca sua mão: mão é mão; cadeira é cadeira; razão é r
azão; sexo é sexo.
o problema de nascer gay num mundo sexual-
-izado
nasce junto com a necessidade de se tabelar até o minuto básico
em que você transborda por um espectro
as correntes mais recentes de estudo de sexualidade dizem que a-
tração sexual e romântica não estão necessariamente unidas
ou seja
entre o binarismo que a sociedade ocidental se funda desde seus princípios aristotélicos
já se entende que amar alguém não necessariamente envolve o devido contato
genital entre cuspidas escondidas embaixo de uma escadaria
de um sexo desprotegido às dez da noite encurralados num
desejo de transgressão que nasce junto
com a colocação do nome próprio
etiquetado ao lado daquilo que se considera
erroneamente como o desejo
ou seja
aquela tal libido mencionada logo acima
a dificuldade de se seguir um script normativizado pela sociedade oci-
dental se revela então no momento em que
ao se dizer presente não no polo branco ou preto do espectro
mas naquela zona flutuante cinza
é que
veja bem
meu bem
a dicotomia não prevê que o intermezzo seja válido
gritar no meio de um buraco
cujo ar foi retirado
por cavadas violentas
no meio do seu próprio nariz
significa dizer
que o seu berro no silêncio
será ouvido só por você
e que os dias que você conta
enquanto ainda sente nojo
de estar preso no seu próprio corpo
só serão amplificados a cada vez que és
obrigado a discutir
com alguém
que a sua repulsa pelo de encontrar
um corpo nu
que obrigatoriamente quer o seu em
estado recíproco
já te deixou aos prantos enquanto
a sua voz é a única
a ser apagada nesse constante
palimpsesto de se
recontar e reescrever a própria
motivação da escritura
e nem às sete da manhã
ou às três da madrugada
as pessoas parecem estar realmente
preocupadas em entender algo que no fim
seria muito simples
se entendido por um espectro que se desenha
cada vez mais fundo dentro
da distância que o seu discurso impõe ao meu
nesse aeroporto sem
esteiras
dental se revela então no momento em que
ao se dizer presente não no polo branco ou preto do espectro
mas naquela zona flutuante cinza
é que
veja bem
meu bem
a dicotomia não prevê que o intermezzo seja válido
gritar no meio de um buraco
cujo ar foi retirado
por cavadas violentas
no meio do seu próprio nariz
significa dizer
que o seu berro no silêncio
será ouvido só por você
e que os dias que você conta
enquanto ainda sente nojo
de estar preso no seu próprio corpo
só serão amplificados a cada vez que és
obrigado a discutir
com alguém
que a sua repulsa pelo de encontrar
um corpo nu
que obrigatoriamente quer o seu em
estado recíproco
já te deixou aos prantos enquanto
a sua voz é a única
a ser apagada nesse constante
palimpsesto de se
recontar e reescrever a própria
motivação da escritura
e nem às sete da manhã
ou às três da madrugada
as pessoas parecem estar realmente
preocupadas em entender algo que no fim
seria muito simples
se entendido por um espectro que se desenha
cada vez mais fundo dentro
da distância que o seu discurso impõe ao meu
nesse aeroporto sem
esteiras
entre o meu ponto de vista e o seu
nasceram tantas barreiras quanto
o seu olhar duvidoso
de se sentir no direito
de me dizer
que a minha própria concepção
do que se passa
dentro do meu próprio
corpo
é menos válida
do que a sua imposição
às três da manhã
ao se sentir no direito
de deslizar uma velha vestimenta
e prostrar-se interiormente
em alguém que já lhe disse
não.
nasceram tantas barreiras quanto
o seu olhar duvidoso
de se sentir no direito
de me dizer
que a minha própria concepção
do que se passa
dentro do meu próprio
corpo
é menos válida
do que a sua imposição
às três da manhã
ao se sentir no direito
de deslizar uma velha vestimenta
e prostrar-se interiormente
em alguém que já lhe disse
não.
a dor da violência das palavras
não me recompensa nem um pouco
ao ser repreendido
com um diagnóstico que não pedi
ao me dizerem
que desejo atenção
e a clamo em
joguinhos narcisistas
quando tudo o que disse
é que meu vinho
poderia ser um suco de uva
a depender do tempo
- bastava esperar a resposta -
mas os espectros
agora entre nós dois
nos garantem:
a resposta nunca vem.
não me recompensa nem um pouco
ao ser repreendido
com um diagnóstico que não pedi
ao me dizerem
que desejo atenção
e a clamo em
joguinhos narcisistas
quando tudo o que disse
é que meu vinho
poderia ser um suco de uva
a depender do tempo
- bastava esperar a resposta -
mas os espectros
agora entre nós dois
nos garantem:
a resposta nunca vem.
porque o limbo ainda é aqui
também
também
André
I
era engraçado como
os lábios dele me
lembravam
a café
cinema
e
cigarro
os lábios dele me
lembravam
a café
cinema
e
cigarro
II
o filme que passa
agora
na minha cabeça
é diferente
- sempre, sempre diferente -
da expectativa
tornada
realidade
agora
na minha cabeça
é diferente
- sempre, sempre diferente -
da expectativa
tornada
realidade
é possível construir
uma vida
em cima
de um particípio-passado?
uma vida
em cima
de um particípio-passado?
III
all we had to do was _________
IV
você me tirava do sério
como quem tira os pés do chão
e só devolve uns meses depois:
o chão muda
a terra anda até quando a gente
está parado
gostar de você era mais ou menos
isso:
acordar do outro lado da cama
esperando
que o impulso que me arrastou
até aqui
não fosse tão forte a ponto de me
fazer
cair
como quem tira os pés do chão
e só devolve uns meses depois:
o chão muda
a terra anda até quando a gente
está parado
gostar de você era mais ou menos
isso:
acordar do outro lado da cama
esperando
que o impulso que me arrastou
até aqui
não fosse tão forte a ponto de me
fazer
cair
V
eu
que gostava tanto d’Ele
caí no erro de esquecer,
moço,
que a vida vai e revê
no instante d’um segundo
tudo aquilo que a gente tenta
bem lá no fundo
esconder
pra sempre
como baú abandonado no meio do
caminho
e mais um dia se acorda
sozinho
que gostava tanto d’Ele
caí no erro de esquecer,
moço,
que a vida vai e revê
no instante d’um segundo
tudo aquilo que a gente tenta
bem lá no fundo
esconder
pra sempre
como baú abandonado no meio do
caminho
e mais um dia se acorda
sozinho
receita para um ataque de pânico
esteja em uma sala
cheia de pessoas
tentando discutir o porquê
de se levar em consideração
aquilo que o Edgar Allan Poe
escreveu a respeito
da estrutura de um conto
cheia de pessoas
tentando discutir o porquê
de se levar em consideração
aquilo que o Edgar Allan Poe
escreveu a respeito
da estrutura de um conto
saia correndo de uma sala
porque alguém lhe olha
diretamente pelas costas
enquanto você
é a única pessoa
que resta
sentada
porque alguém lhe olha
diretamente pelas costas
enquanto você
é a única pessoa
que resta
sentada
tenha que sair da estação
são bento
às duas da tarde
eu devo dizer
não é fácil
ou então
saia da sé
às seis da tarde
ou da república
na hora do almoço
são bento
às duas da tarde
eu devo dizer
não é fácil
ou então
saia da sé
às seis da tarde
ou da república
na hora do almoço
ou então
tenha um primeiro encontro
ao joão
e ao paraíso
e ao paraíso
Fabio Pomponio Saldanha nasceu em São Carlos, em 1993, interior de São Paulo, e hoje reside em São Paulo. Cursa Letras (Português-Inglês) na Universidade de São Paulo e escreve regularmente em seu wordpress. Justifica com frequência seus pés nos ares pelo signo. quarta xícara de café (Editora Patuá, 2015) é seu livro de estreia.