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Ilustração: Matt Grandy |
[quase-prosa]
te querem reto, poema.
em versos sem retoque
nem torque de seis pés.
sem alusões cadentes
nem sinuosos flertes
cõ'o que fugir lhes possa.
sem o que ostente marcas
de repúdio ao tácito.
nem o que aponte o vácuo
nos confins do delírio.
constatar, sem soslaios;
que para além não miram.
[anseio]
não trava o tanque o sentido.
nem toca a trompa a razão.
a voz não vale de escudo.
não vence a guerra a verdade.
a mente, porém, persiste,
enquanto o corpo perece.
o verme celebra a ceia,
a vida veleja ideias.
sussurros derrubam muros.
[manhã]
no aconchegante Marlboro
a remembrança se arvora.
sob este incenso de trégua,
a língua dormente espasma.
meus pensamentos de pé:
o vento invade o varal.
na identidade da corda,
tua toalha ainda mora.
[Eros]
flertei com o Caos na fila da van.
troquei afagos com o Infinito.
vivi dez meses no apê da Insânia.
o Abismo não me retornou os gritos.
um dia o Nada falou que sou lindo.
a Morte enfim me chamou pra dançar.
[ébrio]
estranha beleza a tua:
camelô sem armazém,
que nas esquinas suadas
falseia odes olentes.
estranha beleza a tua:
traço que se impõe à borra;
porvir que a verdade aguarda,
de etéreos lírios forrada.
melancolia apátrida,
esta tua beleza estreita,
que enleio à janela tange.
halali de infantil pária
a um aro de amor-perfeito
sobre um semblante de mãe.
Diego Callazans nasceu em Ilhéus (ba) em 1982 e mora em Aracaju (se) desde criança. É autor de A poesia agora é o que me resta (Patuá, 2013), Blasfêmias(7 Letras, 2015) e Nódoa (7 Letras, 2015). Tem poemas publicados em diversas revistas literárias.