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Ilusração: Stephane P. |
I.
Oh! remos impotentes de voar, asas sem voo.,
remos ferindo as águas
fendendo sinos submersos
e naus em chamas navegando poentes.
- João de Jesus Paes Loureiro -
foi então que avistei as larvas-
tudo o que poderia
tudo o que poderia
ter vindo
depois
tudo o que explodia
na erupção da pedra magna
no coração daquele crepúsculo de bruma
& fumo revolto
depois
tudo o que explodia
na erupção da pedra magna
no coração daquele crepúsculo de bruma
& fumo revolto
Larvas
num catarático olho ciclópico
estatelado no óleo de Turner
larvas
por cima / por trás do vidro
aleitado pela rudeza
aleitado pela rudeza
da areia
larvas
a subir pelas cordas do barco em chamas
a duas milhas do cais
&
larvas
a subir pelas cordas do barco em chamas
a duas milhas do cais
&
silhuetas / vultos / presenças
clarões-
ecos de um tempo remoto
âmbar / copal / goma laca
carmim
larvas no galope de um arquetípico corcel
reinventado
***
Mais ao alto: o iguanodonte disforme
a vértebra sem lastro
a ogiva
clarões-
ecos de um tempo remoto
âmbar / copal / goma laca
carmim
larvas no galope de um arquetípico corcel
reinventado
***
Mais ao alto: o iguanodonte disforme
a vértebra sem lastro
a ogiva
a gaivota
sem ter onde pousar
seus filhos de ovos só casca
ignorando a mancha no bico
seus filhos de ovos só casca
ignorando a mancha no bico
Mas
não obstante
tais vareios
no ventre da noite
-na hora íntima-
um vulto esquálido
semovente / peristáltico
ondulava seus quadris
turbilhonando a dança da névoa
III.
Os olhos saíram pelo cais
procurando um barco
ao luar
tocando guitarra
e encontraram sonhando
um ninho
de búzios
- Cruzeiro Seixas -
pois
lento
surgiu o trilobito
no emaranhado do mar
surgiu o trilobito
no emaranhado do mar
Lenta
a resignação fluorescente
o desejo de viver
naquela concha de cristal
silencioso
& cultivar algas vermelhas
de tempos pretéritos
O homem
já havia corroído tudo
que poderia montar felícia:
corroeu a actínia / a anfisbena de sal
o tecido das ilusões
o hidrozoário verde
até mesmo roeu
que poderia montar felícia:
corroeu a actínia / a anfisbena de sal
o tecido das ilusões
o hidrozoário verde
até mesmo roeu
o manto iriado
de onde enxameava o vento
de onde enxameava o vento
Só o eremitério então o seduzia
naquela furna translúcida
naquela furna translúcida
através da qual se podia ver
as criaturas abissais de grandes bocas
emissoras de luz
as criaturas abissais de grandes bocas
emissoras de luz
Havia ainda na espira algo de sol & o tempo era plato
IX.
Vagava pelas ruas de uma cidade gelada
Com tanta noite em cima
Triste como o espaço que resta
Entre um farol e a casa deserta
- Vicente Huidobro -
mas
foi o que restou :
o obtuso mundo interior
- amputado -
o universo fractal
refratário à razão
a esfera
da qual não se foge
na qual tudo se amarra
pela linguagem & pela loucura
pois
tudo é demência
pois
tudo é demência
no claro ou no breu
tudo
é a mais cristalina
demência
neste pêndulo
do musgo à expansão
do inenarrável
da música
tudo
é a mais cristalina
demência
neste pêndulo
do musgo à expansão
do inenarrável
da música
aos vasos de linfa ou de seiva
do hálito
aos olhos dos cães
à base da capilaridade
ao segundo de hesitação
que antecede a fortuna
&
ao minério / à gravidade
ao lago & ao martim
à conjunção dos paramécios
ao arco / à era gótica
à cabeça de Euclides
ao campo de crotalária
do hálito
aos olhos dos cães
à base da capilaridade
ao segundo de hesitação
que antecede a fortuna
&
ao minério / à gravidade
ao lago & ao martim
à conjunção dos paramécios
ao arco / à era gótica
à cabeça de Euclides
ao campo de crotalária
ao sulfato ferroso
à mulher abandonada
com sêmen a escorrer
pelas pernas / pela face
pelas pernas / pela face
& do brilho ambíguo de Alpheratz
às terras raras
aos lamaçais
aos despojos de 11.000 anos
da negra Luzia
numa das Lapas Vermelhas
de Lagoa Santa / Minas Gerais
***
Manhã benévola.
No entanto / a própria borboleta
- já danada em seu próprio encanto –
nada mais é que um perecimento
nada mais é
- já danada em seu próprio encanto –
nada mais é que um perecimento
nada mais é
que
outra
perdição
XXIII.
&
torturou-o
sem piedade
rodando a língua no frênulo
a glande a explodir
o cano
como um braço arruaceiro a girar um mangual
de doze pontas enquanto o olhar de novilha
se perdia na gana
da crueldade indomada
Seivados a boca / lábios / borboleta
ladrilhos / estátua
abajur
os sonidos da fricção
lubrificada
o estrondo
do jorro em repuxo
- glutinoso
como os braços
de uma hidra
, o homicídio consumado
Os cabelos / a face / o colo
lambuzados de elemento
& os homúnculos do dia
a caminhar
pela rua
XXV.
então
quando a macilenta barra da agonia
desacomodou-me os olhos das retinas
& achou por bem everter seus pinos
para melhor castigar
fugi em linha reta
depois fiz curvas
depois tracei um arco
procurei logo o primeiro deserto
por horror àquelas águas
& esturriquei-me na areia
a poucos braços
de um verde
quando a macilenta barra da agonia
desacomodou-me os olhos das retinas
& achou por bem everter seus pinos
para melhor castigar
fugi em linha reta
depois fiz curvas
depois tracei um arco
procurei logo o primeiro deserto
por horror àquelas águas
& esturriquei-me na areia
a poucos braços
de um verde
Cheguei a farejar
o broto / as pétalas
de jovens odaliscas
que ondulavam entre palmeiras
vislumbrei suas texturas
na boca
nos dedos
mas era tarde
Séculos depois
um arqueólogo descavou meus ossos
desarticulados / erodidos
desmaiados
como giz
Embrulhou meus fragmentos
em gaze / depois em gesso
colocou-me numa urna
de barro
no dorso de um camelo
num navio
num furgão
num saguão
num porão escuro
até que um dia
fraturou o gesso / espalhou-me na bancada
enumerou-me
todas as frações
& acomodou-me nesta
vitrina
Aqui as crianças me apontam
com os dedos / os pais
sussurram coisas que não compreendo
Assis de Mello é o nome literário de Francisco de Assis Ganeo de Mello, natural de Piracicaba, São Paulo. Biólogo, mestre em zoologia e doutor em biologia / genética. Foi pesquisador convidado na Academia de Ciências Naturais da Filadélfia e atualmente, desde 1992, é docente no Instituto de Biociências da UNESP- Campus de Botucatu,e onde desenvolve pesquisa em sistemática e evolução de insetos. Atreve-se também na fotografia e na pintura. Participou de diversas coletâneas de poesia e, em 2010, publicou seu primeiro livro, Na Borda da Ilha, Lumme Editor, 183 pp. Está lançando com a Editora Patuá, Livro dos epílogos. Tem poemas publicados em vários jornais e revistas em papel, como Suplemento Literário de Minas Gerais e Celuzlose, ou na internet, como Cronópios, Eutomia, Germina, Jornal de Poesia, Mallarmargens, Zunái.