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4 poemas de Kauan Almeida

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Ilustração: Harmony Sage Lawrence



A ESTRADA


Tudo era vermelho 
Minha cabeça sobre teu ventre 
E seu útero me revirando 
Como uma bebida amarga no estômago 

Eu, após, fechado no canto 
Quieto. Agonizando o gozo azul 
Com peso de chumbo 
Na leveza de se ver 
Você, anatômica em luzes, 
Tomara-que-caia, soireé 

Um jeito puta de dizer fuck you 
Para esconder a raiva 
De um palavrão vulgar. Eu vendo tua 
Boca abrir e fechar 
Pensando "não vou me apaixonar" 

Mas acontece 
Que teu jeito de dançar sem salto 
Como quem pisa em pregos 

E a terceira curva do seu rosto 
Que harmoniza com o meu 
E todo este teu gosto de tocar o sexo das plantas 
Falar em estigma, estilete e gineceu 

É um buraco na estrada do meu destino 
Que sigo com faróis apagados 
Pela estrada escura.



TEU NOME SECRETO


Teu nome era de uma sutileza dramática 
Lembro quando se apresentou 
E em seguida se sentou 
Com tuas pernas tortas e sorriso medroso 
Nem você sabia o que estava fazendo 
Mas falava sobre esportes 
Moda e números 
Tudo o que ignoro o tempo inteiro 
E acho banal e chato. 
Eu sei, pareço um careta 
Dentro da roupa social em pleno sol de inverno 
— na Bahia não faz diferença —
Teu nome depois que você se levantou 
Ficou dedilhando nas minhas memórias 
Como um deus punindo pecadores 
Eu apenas rezei 
Para ser purgado pelo vórtice entre tuas pernas tortas
E segui sem esboçar amor



Ilustração: Harmony Sage Lawrence



O AMOR É UMA SURRA DE FACÃO


Agora vejo que teu rosto não é tão bonito 
E que teu corpo fino de traços amedrontados 
Como uma ave migrando 
Não é tão latente como cri enquanto iludido 
Agora vejo este teu vocabulário com apenas dezenas de palavras 
Que se repetem e se repetem 
Numa ordem esquizofrênica, chata, melancólica
E esta tua queixa dos símbolos das coisas. 
Agora vejo que o amor me cortou tanto a pele 
Me surrou tanto a carne 
Com lances de facão tal qual uma briga de sertanejos 
Eu, ferido e inválido 
Pelos lances ásperos de uma amor desbainhado 
A colorir de vermelho minha espera romântica. 
Agora vejo que já é tarde para dar forma à alma 
Tempo ao corpo e realidade à paixão.



OS HOMENS QUE GUARDAM OCEANOS


Mamãe me ensinou, 
Quando eu ainda era uma criança, 
Que o oceano, no fundo 
É escuro. Que os homens, 
No fundo, são escuros:

Nunca me atentei para a escuridão que mamãe falava 
Pois o fundo é quase inacessível, invisível 
Quando se está próximo, quando se está dentro 
Porém, quando se está longe 
Quando muito longe, quando a Terra é apenas 
Uma imagem feita pela NASA 
Todos os homens possuem oceanos escuros 
Tenebrosos e letais dentro de si 

Mamãe estava certa 
Não só o fogo é perigoso, mas os homens e seus oceanos também.




Kauan Almeida é baiano, nascido em 1992, mora em Santa Cruz Cabrália – BA. Escreve porque vida pede, e a vida é uma déspota carrasca, que condena todos os súditos à normalidade quando não obedecem suar ordens. Participou de algumas antologias e pode ser lido em sua página pessoa do Facebook.

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