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phoenix memorian - Marcos Pamplona

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phoenix memoriam


nos últimos anos o sangue escorreu de frinchas finíssimas, da borda luminosa das gengivas, das comissuras da garganta que se fechava sobre o ar da casa enquanto tudo desabava sem alarde. me via sempre tão vago, entre as batatas do prato de sopa que sorvíamos com a inconformada nostalgia de nós mesmos...
tamanha foi a transfusão de nossos sangues que eu andava fraco, temendo tropeçar em minha própria sombra. cheguei a um lugar inconcluso, como sempre, dilatado pela impotência diante de algo tão vasto como a derrota.
(era ridícula a navalha com que cortava meus pulsos: eles cegavam homem e navalha)
quando me vi no caminho que leva de volta a mim, limpando-me da saliva velha e quebradiça de tantos beijos e berros, passei os dedos no fio da aurora e disse com sarcasmo: não tenha pressa, o amor não sabe morrer.



  dora carrington


                                      ninguém se aproxima pela tua sombra
                                   neste sonho imóvel
                                   só cascas de estrelasno espaço em que sumiste
                                   como um gato

                                   tua última palavra envelhece sobre o papel

                                   queimarei tudo ao amanhecer
                                   (me dissipo num estampido)
                                  
                                   deixarei no espelho a lua
                                   e a órbita vazia da estrada



frieda–lawrence


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notícia

  
a poeta septuagenária H. Maria H. foi encontrada desaparecida no sofá da sala.  restavam apenas seu corpo, sentado como num ônibus, e sua casa, silenciosos, bem arrumados, limpos. o homem da lei achou um bilhete em sua bolsinha, escrito em papel de pão:

"soltei os pássaros. se quiser, leve a gaiola".



Imagem:fotografia Dora Carrington, autor desconhecido




Marcos Pamplona nasceu em Curitiba em 1964. Desde os treze anos escreve poesia. Foi garçom, redator publicitário e roteirista. Hoje se dedica apenas a escrever. Tem poemas publicados nas coletâneas do Prêmio Off Flip de Literatura de 2006, 2008 e 2010, em mallarmargens e na revista Jandique. Prepara o lançamento de seu primeiro livro solo de poesia para este ano, com prefácio de Marcelo Sandmann e edição de Kotter Editorial.

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