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Half A World Away/Kris |
ultrabiografia
O que dizer de mim
que já não esteja
nos muros da cidade
e no álbum
the wall:
Nos sonhos quero
molduras de ar
e na cidade
– fora das gaiolas –
uma paisagem de pássaro
ao Sol.
*
O ator mirim no centro
do mundo
e o delicado jogado aos macacos
no domingo à tarde
ou era ainda manhã
e acreditei
que o dia nascia esplendoroso
pelas costas dos relógios
– silenciosos
e parados –
à espera de um tempo
não mais partido
tudo agora inteiro e iluminado
o presente naquela noite de Natal
segundos antes
de cair
e se estilhaçar
em milhares de futuros pedaços.
3 X 4
Decoro o silêncio com números
que nos sabem de cor.
Se fossem hoje sentimentos
o papel vazio continuaria árvore, e
a alma seria para sempre aquarela
atrás do fundo falso
desse lago de superfícies 3 X 4.
(inspirado em Armando Freitas Filho)
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Leave the Frame/Kris |
ATRAVÉS DOS OBJETOS
Lygia conta os objetos,
assegurando-se dos vazios.
O espaço mudo entre o sofá
a banheira e a pia
na cozinha a geladeira
anuncia o inverno
dos claros lençóis de cetim,
brancos e imaculados
como o hábito
da virtude doentia.
– Nuvens de gafanhotos famintos
devoram-na
e o hábito de envelhecer
metida
na pele dos objetos
dentro desta bolha d’água, um dia desejo
os outros, flor de cacto
sobre a mesa de refeições
da família.
OS CATADORES DE POEMAS
Há algo ainda mais raro
e mais surpreendente
do que uma borboleta
fúcsia: é a lagarta feliz!
Acabei de ver uma lagarta feliz
revirando a sujeira do mundo
pra fazer borboletas
com garrafas PET
que depois pesadamente pousam
sobre os ombros dos catadores
de lixo: – Vai ver é a isso que
chamam vida sustentável.
DESENHO QUE SOBREVIVEU À INFÂNCIA
Piu Piu para Frajola:
– Acho que vi um moinho,
vi sim.
Frajola para Piu Piu:
– Pássaro estúpido, não está vendo que
tudo o que existe é a gaiola!
Piu Piu para a gaiola:
– obrigado, dona gaiola, por
ter me mostrado os moinhos.
Os poemas são do livro Doida Alquimia.
Lou Albergaria (Ponte Nova / MG) , economista e poeta. Nasceu em 27 de julho de 1969. Autora dos livros Pessoas e Esquinas (edição da autora, 2009), O Cogumelo que nasce na bosta da vaca profana (Vidráguas, 2011), e Doida Alquimia (Patuá, 2015). Está sempre nas redes sociais esparrAmando poesia, arte e alguma transgressão. Mora em Belo Horizonte.
Mais poemas em sTRIPalavras: http://loualbergaria.blogspot.com.br