Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

Xarás - Bruno Bandido

$
0
0


Minha mãe estacionou no posto, desceu do carro e gesticulou por uns cinco minutos com um dos frentistas, então abriu a porta e disse que era pra eu ficar com ele, que voltaria no fim da tarde. “Tu é o guri”, ele disse. Eu fiz que sim com a cabeça. Ele me olhou de cima a baixo e perguntou pra que time eu torcia. Quando eu disse Palmeiras, ele perguntou se foi meu avô quem tinha colocado isso na minha cabeça. Fiz que sim com a cabeça. “Aquele velho...”, ele disse, “Tu tem que ser do Colorado. Tu é gaúcho, não pode torcer pro Palmeiras. Nem pro Grêmio, só bichinhas torcem pro Grêmio. Tu é bichinha?”. “Eu não”, eu disse irritado, ele riu e correu em direção a um carro e falou com o motorista e foi até o tanque e enfiou a bomba lá dentro. Fiquei observando a cena. “O próximo é teu”, ele gritou, enquanto recebia o dinheiro.
            Cinco minutos depois, uma mulher estacionou um fusca. “Vâmo, é só abrir aqui e enfiar a bomba”. Quando fui colocar, não encaixou direito e a mangueira resvalou e acabou arranhando um pouco a lataria do carro. Ele tirou da minha mão e mostrou como se fazia, fiquei esperando o próximo, passou um e outro e mais outro e ele trabalhou em todos, eu olhava pra eles como quem pensa “é esse”, mas nada, tive uma chance e fracassei. “Vem, tá na hora do lanche”, ele disse, depois de umas dez ou quinze carangas. Eu tava ficando tonto com todo aquele cheiro. Ele entrou na loja de conveniência e me deu um picolé e pegou um sanduíche pra ele. Nós sentamos na fachada. “A tua mãe foi aonde?”, ele perguntou. Dei de ombros. “Tu fala pouco, né?”. Eu não disse nada. “Tu fuma?”. Fiz que não com a cabeça. Ele riu e acendeu um cigarro. Ficou ali, sentado com as pernas esticadas, assoprando fumaça pelo nariz e assobiando uma canção que eu não conhecia.
O outro frentista chegou perto da gente. “Tu é maluco, Junior? Apaga essa merda”. “Por quê?”, ele perguntou. “Como assim? Tu tá na porra dum posto de gasolina, caralho”. Ele deu de ombros e seguiu fumando. Um carro começou a buzinar em uma das bombas e o frentista voltou a trabalhar - parecia mesmo muito incomodado com aquilo. “A gente é chapa”, eu disse. “É mesmo?”, ele perguntou. “A gente tem o mesmo nome”. “Ah, xará, ele disse. É xará quem tem o mesmo nome”. Fiquei em silêncio. “Seria bom, não é?”, ele disse, “Explodir tudo”. Apagou o cigarro no chão e voltou a abastecer os carros.
Duas eternidades se passaram até que minha mãe chegasse. Ela tava num carro novo, várias coisas da nossa casa tavam dentro dele e também tinha um cara sentado no carona. Me enfiei no pouco espaço que sobrou dos bancos traseiros, pegamos a estrada e lá pelas tantas vi o cara botar a mão nas pernas dela. “Pra onde a gente tá indo, mãe?”, eu disse, ele olhou pra trás surpreso, como se pensasse que eu tava dormindo, mas não tirou as mãos do lugar. “Embora, filho, a gente vai embora dessa cidade”. “Aquele moço...”, eu disse. “Ele não te disse quem era?”, ela perguntou. “Não, mas eu sei. Ele é o Junior”. “Filho”, ela suspirou, “ele é teu pai”. Meu pai. Então era ele. E eu já tinha passado tantas vezes por aquele posto. “Tem certeza?”, perguntei. “Certeza?”, ela disse bem alto, com a voz estridente, como se fosse uma piada, o homem riu, “Tenho, filho. Claro que tenho certeza”, e aí ela também riu. “Não te preocupa”, ela disse, “tu nunca mais vai ver ele”.



Bruno Bandido nasceu em 1990, na fronteira com o Uruguai, hoje mora na Bahia com sua mulher e mais dois vira-latas. Em 2014, lançou o livro de contos Tem um palhaço agressivo e um hooligan triste em algum lugar aqui dentro pela editora Bartlebee. De vez em quando, ainda alimenta o blog brunobandido.wordpress.com.

Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

Trending Articles