é impossível precisar
quantas vezes morremos
num único dia
esta febre sem remédios
esta ausência
este incômodo
quantas vezes morremos
num único dia
esta febre sem remédios
esta ausência
este incômodo
é não conseguir
achar posição
na cama na cadeira
se virar de lá pra cá
entre dores e esperas
achar posição
na cama na cadeira
se virar de lá pra cá
entre dores e esperas
este desconforto
como se houvesse
ossos demais
no corpo
como se houvesse
ossos demais
no corpo
AMNÉSIA
a memória embotada
procurou lembrar daquilo
durante dias
procurou lembrar daquilo
durante dias
nada
não lembrava dos
rostos das pessoas
encobertos pela
noite profunda
o cérebro
instrumento opaco
dentro da caixa
craniana
agonizou sozinho
não era justo
não pedia muito:
uma lembrança
repentina
um flash
assim como um rio
que subitamente
se acendesse de peixes
não lembrava dos
rostos das pessoas
encobertos pela
noite profunda
o cérebro
instrumento opaco
dentro da caixa
craniana
agonizou sozinho
não era justo
não pedia muito:
uma lembrança
repentina
um flash
assim como um rio
que subitamente
se acendesse de peixes
DEPOIS
não sei bem mas
não devia ser por causa
da chuva e nem por causa
do capote cinza sobre
os ombros da cidade
tampouco era porque
evitávamos nos olhar
nos olhos ou dizer
qualquer coisa que
ferisse a banalidade
do reencontro
mas dava pra ver
assim uma tristeza
qualquer em você
não sei direito
como definir mas
suas mãos sua boca
dava pra ver –
até seus cabelos
estavam tristes
*
na minha casa
(minha antiga casa)
havia uma banheira
velha enferrujada
no quintal
(minha antiga casa)
havia uma banheira
velha enferrujada
no quintal
a banheira ficava
sempre vazia:
água parada é
foco de dengue
e preocupação
o sol era forte
naquela época
o sol batia fundo
e refletia sucessivos
peixes dourados
na superfície da
banheira sem água
eu era miúdo e
ficava lá do lado
da banheira muito
tempo parado meio
que sem entender
direito as coisas
o sol os peixes
e eu permanecia lá
ao lado da banheira
olhando pro fundo
da banheira
sem nenhuma água
esperando lá parado
não sei bem o quê
um milagre uma ventania
uma tempestade
um dia – talvez – me
afogar em felicidade
sempre vazia:
água parada é
foco de dengue
e preocupação
o sol era forte
naquela época
o sol batia fundo
e refletia sucessivos
peixes dourados
na superfície da
banheira sem água
eu era miúdo e
ficava lá do lado
da banheira muito
tempo parado meio
que sem entender
direito as coisas
o sol os peixes
e eu permanecia lá
ao lado da banheira
olhando pro fundo
da banheira
sem nenhuma água
esperando lá parado
não sei bem o quê
um milagre uma ventania
uma tempestade
um dia – talvez – me
afogar em felicidade
poemas do livro Rumor Nenhum
Foto de Mauricio Duarte: Diego Ciarlariello
Autor do livro de poemas Balde de água suja (Patuá, 2015), Mauricio Duarte é jornalista e nasceu na capital paulista em 1981. É autor do livro de poemas Rumor Nenhum (7Letras, 2007, coleção Guizos) e um dos autores de Haja Saco, o Livro (Multifoco, 2009), baseado em blog homônimo e já extinto. Vem publicando nas principais publicações literárias do país, como as revistas Cult, Lado7 e Inimigo Rumor, entre outras. E-mail: mauricio51@uol.com.br