![]() |
Ilustração: Jack/deviantART |
P. E. P. dos atos alternativos
guardo um segredo heterônimo
hieroglífico
uma tatuagem uterina
meu coração putrefato
sopro-o para ver
se renasce
a brisa que rasga a pedra
e se fossiliza
espreitando a eternidade
pensando-a não
vida permanente
mas
morte lenta
e se fossiliza
espreitando a eternidade
pensando-a não
vida permanente
mas
morte lenta
como deus coando no diabo
aquele anjo bacana
do começo
aquele anjo bacana
do começo
J. da L. e M. R. da mobília pobre e dos reflexos retorcidos
uma solidão a dois – um
vaso florido para
adornar o vazio
e como seus abraços já não
são simétricos dormem
em camas de solteiro
– mas lado a lado! –
e em noites de tempestade
atravessam o temor e a insônia
com as mãos dadas
os relâmpagos radiografando
os esqueletos dos móveis pobres
o espelho da penteadeira às vezes
– esquecido de doer –
reflete-lhes: fantasmas-siameses
em corpos separados
J. dos filhos-sem-pais
pensa nitroglicerina a menina
cortes sem açúcar nos pulsos
o mal-de-amor sem anestesia
veja como é enfim o amor:
um fim unânime
um (silên)cio uníssono
veja como é a vida:
aquilo que se gasta pelo manuseio
aquilo que se deteriora pelo desuso
![]() |
Ilustração: Jack/devinatART |
dona M. dos filhos loucos
tinha os óvulos defeituosos
por isso uma
coleção de estátuas
gárgulas com alguma doçura –
rezar não adianta
é difícil o mundo
nos aceitar sem algum suborno
é mais difícil contudo expormos
o próprio coração neste mundo
se somos cheios de
lâminas dóceis
e de desejos pontiagudos:
adejar sobre incêndios
e andar sobre as águas
P. J. dos não-poemas
p/nydia bonetti
seu nome está guardado para depois
assim como uma água que nos venha
só depois de a sede ser cicatrizada
pois
tal o entremeio doce de uma canção de morte
há flor que só floresce
nos arredores do cadáver
enquanto isso
cuidado!
o poeta é uma âncora
que acredita
que levita
C. e E. das mortes prematuras
os sinos com hematomas
que a morte tatua no menino
“os intestinos me vêm à goela
e – não posso! – não
posso um cântico”
ali a morte sutura
com arames apendicites
unta a asma com ferrugem
a infecção nas entranhas
da menina que comera
um cão leproso vivo
atravesso-me inóspito desértico
árido mendigo
e quando encontro um poço potável
e sedento me inclino para
colher alívio
deus me aponta o dedo e me ordena:
“mergulha
e não retorna à tona da vida”
(poemas do livro escafandro, Editora Patuá-2105)
Wilson Torres Nanini é mineiro de Poços de Caldas (1980). Reside em Botelhos/MG. Tem dois livros publicados: alcateia (2013) e escafandro (2015), ambos pela Editora Patuá.