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Graciela Iturbide |
JULHO DEVO VIAJAR
Penso se devo tirar férias
Se devo me aposentar
Trabalhei duro nestes
Versos com o corpo todo
Devo viajar comprar
Música pop on-line?
Como sabem que estou
Interessado? Como me
Observam? Devo
Trabalhar ainda mais
Ou andar de bicicleta?
Seria então isso a viagem?
Esta espera este impasse?
O que deve entrar nos
Meus versos? Empenho-me no
Ato de escrever um romance?
A quem tomaria como modelo
Proust Joyce Kafka Machado?
Seria ou não seria esse o caso?
Devo procurar em outro lugar
Chaves a que não tenho acesso
Enxerto paisagens mortas
Realidades longas inertes
Em que me perco de vista
Deserta despovoada pele
Devo ir de visita a Ítaca
Devo perder lá o coração
Desaparecer sem deixar
Notícia um corte súbito
Talvez por alguns dias
Outra passagem de ar
Anteprojetos de escrita
Todas as outras coisas
De que devo me livrar
Sei que não quero estar
Aqui pra que meus lábios
Ressequem rachem mudos
Não ser guiado pra algum
Destino traçado mapeado
Percorrer suas promessas
Amar o mar como Melville
NÃO VÃO ME VER MAIS
Ligo para Glauber Rocha
Hospitalizado em Portugal
Desde 6 de agosto de 1981
Ele vai morrer em dez dias
A luz solar a força eólica
A biomassa o gás a água
Com problemas bronco-pulmonares
“Você está preparado para morrer?”
Ele pergunta e ri escandalosamente
Do meu silêncio da minha pena
Eu devo ter baixado os olhos
Engolido em seco o momento
Daquela extravagância que nele era tão normal
E como poderia deixar de ser assim?
Queria colocar tudo abaixo
Demolir abater desbaratar
Dinamitar a marca Hollywood S/A
Mesas de sinuca circos concursos de miss
Coisas pelas quais nutria aversão extrema
Exagerou tudo que pôde
Ocultou como pôde sua intrínseca fragilidade
Acrobata do choque quebra espaços distantes
Anjo naufragado à deriva cão demônio abutre
Serpente dragão lagarto enormemente vários
“Vão pensar o pior de mim
Mas não vão me esquecer”
Tinha de si mesmo as próprias miragens
“Se voltar a pôr os pés no Brasil
Vou tirar a roupa e me masturbar
Em praça pública”
Queria se livrar de um fardo
E deixar um rastro
Não ia ficar acuado esfolado vivo
Jogado na vala comum do medo
“É claro que você sabe que não está preparado”
Fiquei sem responder o que
Ele também não podia saber
Um silêncio que vem das entranhas
Quando o que resta é aderir ao erro
NOTAS SOBRE UM SONHO
Dia e noite deitado em pé
Tenho sonhado com aranhas
Que se conectam sem fios a
Meu silêncio a minha sombra
Como se fossem eu próprio
Não param de se deslocar um
Cerco entrechocante ímpeto
Numa língua incerta acrobata
Venenoso ruído sismografado
Centrífugo elas avançam ouço
Seus pés o levante implacável
Máquinas temidas hipertélicas
O que querem? O que levam?
Tenho vivido de cigarros Coca-
Cola folheado livros na Biblioteca
Não estão nem aí me põem a nu
Tomam-me de assalto emparedam
Não são propriamente deste mundo
Vetustas encenam o tempo todo
O tom a nuance de seus gestos
Traçam o campo de um impasse
Posso ouvir mas nada entendo
Posso imediatamente zerar tudo
Recorro à esquiva parto pra briga
Aranhas querem fechar o tempo
Mais de Ney Ferraz Paiva em Mallarmargens.