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Ilustração: Gilad Benari |
teste todos os efeitos para saber quais podem virar procedimentos porque nem todos podem e você não vai querer descobrir isso tarde demais por isso estou te contando
não deixo com isso de levar em consideração a possibilidade de você querer ainda mudar de nome
e além disso não poder mais nada
se a única coisa verdadeira de que ainda sou capaz continua
sendo você sabe
cortar as unhas no sentido inverso
e no entanto e no entanto eu realmente me envergonho é da minha vida
é da minha vida não caber mais num procedimento ou na mala de viagem de que sou herdeiro
[de "esqueci de fixar o grafite", 7letras, 2012]
DIZ
[de "O Livro de Reclamações", Escalpo de Mársias, 2014]
CONCERNING VIOLENCE – Göran Olsson (2014)
já nada do que podia ser vosso existe.
mesmo o seu abandono é vigiado.
e passam barcos
(de que culpa fretados?).
mesmo o seu abandono é vigiado.
e passam barcos
(de que culpa fretados?).
a manchete diz: "metade do espírito
é matéria" e você então pergunta
qual das duas metades
será aquela que está ali no canto,
dormindo, como um machado
que alguém esqueceu no chão?
é matéria" e você então pergunta
qual das duas metades
será aquela que está ali no canto,
dormindo, como um machado
que alguém esqueceu no chão?
[de "Topadas no escuro", 7letras, 2015]
DE UM FILME QUE UMA VELHA CAMPONESA DO TIBETE PUDESSE ENTENDER SEM LEGENDAS
"quando nossa filha fizer um ano
vamos ao museu ver uma exposição de Rothko.
não para que ela veja os quadros,
mas apenas para que os fótons da sala do museu
cuspidos para fora do vácuo quântico
através da superfície das telas de Rothko
atinjam a superfície dos olhos da minha filha
antes de cair de volta para dentro do vácuo quântico.
sei que os quadros de Rothko, sei que o seu discurso
será familiar a ela.
não como ele é para mim, ou para você,
mas talvez como o discurso de um uivo de lobo
é familiar às gretas da montanha.
depois, porque eu estarei com fome e com pressa,
voltaremos do museu pelo caminho do túnel
de onde não se vê nem a enseada,
nem os barcos, nem o parque, e ela,
se já soubesse falar,
quer dizer,
se já soubesse falar português,
talvez dissesse que nem ela,
nem o lobo,
nem uma única greta da montanha
concorda com os meus pontos de vista."[página Risco, O Globo, 30/05/15]
não para que ela veja os quadros,
mas apenas para que os fótons da sala do museu
cuspidos para fora do vácuo quântico
através da superfície das telas de Rothko
atinjam a superfície dos olhos da minha filha
antes de cair de volta para dentro do vácuo quântico.
sei que os quadros de Rothko, sei que o seu discurso
será familiar a ela.
não como ele é para mim, ou para você,
mas talvez como o discurso de um uivo de lobo
é familiar às gretas da montanha.
depois, porque eu estarei com fome e com pressa,
voltaremos do museu pelo caminho do túnel
de onde não se vê nem a enseada,
nem os barcos, nem o parque, e ela,
se já soubesse falar,
quer dizer,
se já soubesse falar português,
talvez dissesse que nem ela,
nem o lobo,
nem uma única greta da montanha
concorda com os meus pontos de vista."[página Risco, O Globo, 30/05/15]
Luca Argel (1988) nasceu no Rio de Janeiro, onde lançou, em 2012, seu primeiro livro, "esqueci de fixar o grafite" (7letras). No mesmo ano muda-se para a cidade do Porto, Portugal, onde ainda trabalha e estuda. Recentemente lançou o "Livro de Reclamações" (2014) e "Topadas no escuro" (2015).