Evento: Lançamento do livro Na escuridão não existe cor-de-rosa, de Cinthia Kriemler (Editora Patuá, São Paulo, 2015)
Dia: 29 de abril (quarta-feira)
Hora: 19h30
Local: Carpe Diem da 104 sul - Brasilia
"Na escuridão não existe cor-de-rosa" é o quarto livro de Cinthia Kriemler, o terceiro pela Editora Patuá. São 32 contos pequenos que falam sobre a miséria dos invisíveis, diluída no cotidiano de banalidades e vícios das cidades. A autora trata de temas atuais e recorrentes: perda de entes queridos, abandono, solidão, separação, violência contra a mulher, exploração sexual de menores, incesto, estupro, traição, vingança. E faz reflexões sobre a fé, a morte, a velhice, a doença, a hipocrisia social, o medo.
"Os invisíveis, os que vivem na escuridão, os que incomodam o equilíbrio falso da sociedade e sofrem em silêncio, com medo de incomodar". É sobre esses personagens inventados à luz da realidade que a autora conta pequenas histórias, tentando fazer com que não sejam afastados para o esquecimento intencional da alienação. Apesar das misérias e denúncias reveladas na narrativa, os textos de Cinthia trazem, também, uma grande dose de lirismo, quase como se a autora quisesse abraçar cada personagem em sua dores, faltas e incertezas.
O lançamento será na próxima quarta-feira, 29 de abril , com a presença do editor paulista Eduardo Lacerda.
Na escuridão não existe cor-de-rosa
Quando eu era pequena, eu queria ser bruxa. Bruxas não usam cor-de-rosa. Nem são loiras. Eu não conheço bruxas loiras. Só conheço fadas. Castelos. Sonhos. Varinha de condão. Sapatos número 35 — vá lá, 36 nos dias de calor! —; manequim 34. Gestos delicados. Passos de gata no cio. Ou de gazela, ou de garça. Esses bichos dissimulados. Cabelos loiros. Loiro ultraclaro 90. Koleston. Nem cachos, nem ondas. Liso europeu. Fadas são europeias. Olhos azuis bem claros. Da cor do mar de Aruba. Que não é na Europa. O mar das bruxas não é azul. É escuro. De tempestades e naufrágios. Mar Negro. Afunda cinco navios de uma vez. Carrega tudo para as águas de baixo. Embaixo d'água não tem fada. Fadas não podem molhar o cabelo. As bruxas podem. Bruxas têm cabelos de anêmona. E se grudam nas rochas do fundo do mar. E afundam navios. Cinco de uma vez. Para brincar de contar os corpos inchados dos afogados e os pedaços de barcos e lemes e adriças e quilhas e estais e gaiutas e birutas. Birutas são as fadas. Mornas como as correntes do Golfo. Bruxas são geladas]. Como as correntes de Humboldt. Cheias de plânctons, de peixes. Ou quentes pela chegada afrodisíaca de El Niño. Eu queria ser bruxa. Quando era pequena. Vassoura, caldeirão, poções de magia, chapéu de ponta. A carruagem das fadas não é segura. Ela rola no precipício. No precipício das bruxas. Onde moram as cobras, os lagartos, os sapos que nunca viram príncipes. E os corvos, essas criaturas dadas às carnes mortas. Que só comem quando sentem fome. Que limpam a sujeira que não fazem. Limpam, limpam, limpam. Para que as fadas pisem terra sem restos. Para que as fadas não cheirem a podridão da morte.
Mas as fadas insistem em preferir os passarinhos. E os dias de sol. E os meninos e meninas com juízo. E os homens bonitos. E o pagamento em euros. Ou libras. Cotação em alta. E tudo cor-de-rosa. As unhas, as bochechas, o pôr do sol, a vulva, a moldura do espelho. Bruxas não gostam de luz. Nem de reflexos. Por causa das verrugas que têm no nariz. Que afastam os meninos e meninas cheios de juízo. E os homens bonitos. Bruxas só gostam da noite. Entranhada dos sons das criaturas invisíveis. E da igualdade mais estranha. Na escuridão não existe cor-de-rosa. Nem fadas. Porque as fadas dormem com as galinhas para ter a pele mais bonita. Eu queria ser bruxa. Desde pequena. E de tanto gritar para a boca da noite, ela me respondeu: Your wish is my command!
Cinthia Kriemler é contista, cronista e poeta. Carioca, mora em Brasília desde 1969. Graduada em Relações Públicas e Especialista em Estratégias de Comunicação, Mobilização e Marketing Social pela Universidade de Brasília – UnB. Analista Legislativo da Câmara dos Deputados.
Membro da Academia de Letras do Brasil – ALB/DF, da Rede de Escritoras Brasileiras – REBRA e do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal – Sindescritores.
É autora dos livros Na escuridão não existe cor-de-rosa (Editora Patuá, 2015); Sob os escombros (Editora Patuá, 2014) — selecionado por Edital de Chamamento para ser lançado na II Bienal Brasil do Livro e da Leitura, realizada em Brasília; Do todo que me cerca (Editora Patuá, 2012); Para enfim me deitar na minha alma (projeto aprovado pelo FAC-DF em 2009 e lançado em 2010). E-books pela Amazon.com.br (Brasil): C ontações (2015); Atos e omissões (2013); e Para enfim me deitar na minha alma (2013). Participa de diversas antologias de contos, minicontos e poemas. É colunista da Revista Samizdat, da Revista Biografia e do Portal Vânia Diniz. Tem textos publicados
Mantém o blog Palavras abraçadas: http:// palavrasabracadas.blogspot.com