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4 poemas de Abiatar Machado

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Ilustração: Amedeo Modigliani


Poema para Modigliani

A cebola me entontece quando imagino
as mulheres dos seus quadros
- sujas de corpo e Nouvelle Vague.
A cebola se incomoda com o nosso encontro,
pois estou espantado com suas mãos
colhendo as raízes visíveis do espírito.
Modigliani, o cubismo te pertenceu
vestido de mulheres nuas.
Não todas as mulheres do mundo
mas as expressões possíveis de um único nu.
Modigliani, a subjetividade é uma cebola
me envenenando as margens do tempo.
Uma cebola atávica como as crenças humanas
um ardor incomensurável gesticulando
uma inércia nas ruelas do meu sentir.
Ela sabe do meu amor pelo seu verbo extemporâneo
e da minha admiração  pela sua dança
em torno do retrato de Balzac.
E sabe o segredo do vazio
e se ergue como se tivesse olhos.
A topologia arqueológica da sua arte
me encontra através desse bulbo fisiológico.
Invadido pelas suas camadas etéreas
escrevo minha experiência dos seus quadros
- cartas invisíveis para um magnífico silêncio.
não somente a beleza feia da paixão,
mas a nudez dos rostos e os descaminhos.



o-tempo-vaga-demente
  
O tempo vagava demente naquele tempo.
Era um abril moreno, quase inverno.
Minha sombra desejava esquecer o enigma.
O enigma esvanecia minhas pálpebras.
Íamos pelo mato,
eu, o Tadeu e a meretriz.
O sol era o nosso edênico concubino.
Com sua reza, a moça nos servia de dentro da mais desvairada dedicação.
Tadeu olhava aquele dorso
Sua tez e seu suor.
Da sua vida na estrada
Tadeu tinha aprendido uma alegria pesada,
curiosa, que não agradava qualquer vida de gente.
Desconhecia a pseudo-humanidade
Sabia esse conhecer humano
que vive sem preconceito
no torpor dos corpos e das nuvens.
A puta sorridente
apresentava-nos  seus segredos e sua cruz,
tinha nos seios um tímido desdém.
Tadeu sorria
enquanto meus lábios
eram asas infernais
abrasando nossas sombras
aquelas que  queriam trepar
e se perder de avencas e sorrisos.
O espaço estava completamente avesso à sua conduta normal,
aprendera com o tempo os gestos de um enigma tresloucado. 
No Morro dos Ferros as putas não adormecem nos quartos
As putas se desfazem nos braços da chuva.
Tadeu habitava com desenvoltura esse jardim árido chuvoso
A vida não terminava nunca
A meretriz rabiscava o enigma no meu caderno
Naquele tempo escrevi o prazer do texto na reza das putas
Escrevendo me deparei com uma inesquecível incongruência de vozes.



A experiência do poema

O poema tateia meus desenhos
Mãos lavradas, gélidas, fumegantes.
Letras do meu pretérito,
escritas no porvir.
O poema se torna meu espírito
aquele que não existe
mas me aprisiona na superfície do céu
enquanto símbolos caem pelas ruas no mês de março.
Frutívoro, ele se alimenta das raízes do corpo.
Ama o balé do sublime
e  experimenta a incongruente beleza da terra.
- Uma nevoa de nadas perguntando meu nome -
Eficaz elabora minha persona pornográfica:
- Tão bonita, minha namorada, com o poema na boca.
Elevado, me elogia lentamente.
Sou sua elegia eloquente, sorvida na penumbra.
Mas se temos um pacote de balas
ele me embrulha o rosto
exibe com maestria meu sorriso bobo.



Lupanar

As garotas podem ser amadas com incenso e música tântrica
Podem até dançar um funk para o meu sexo que não deseja o descanso da banca de frutas até interior da tarde. 
Elas se transfiguram em um mosaico de explosões eróticas enquanto meu corpo é vendido a varejo no balcão da mercearia.
Úmidas deidades,
Elas se afogam em cerveja
e retorcem o meu corpo como se fossem o ócio.
As garotas me provocam
e se revelam pouco a pouco para meu nariz em chamas.
O barulho que elas ouvem não oferece sentidos ao meu corpo.
Elas dançam cachorras de plástico
Automóveis escatológicos.
Aluadas, elas dobram tudo e não se arrancam de mim nem mesmo quando estou velho e sou comensal no ano de 2013.
No momento em se deparam com a alameda cruel dos meus desejos
não sentem vergonha da libertinagem nos meus olhos.
Para elas é preciso escrever um poema biodegradável
Amá-las como se ama um evento em nossa pele, passível de se tornar um barco ou anuncio de sabonetes.




Abiatar Machado é de Caratinga, Minas Gerais. Estuda filosofia e escreve poesia. Mestre em  Estética e Filosofia da Arte pela UFOP e doutorando em Filosofia pela UFMG.  

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